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Gustavo Assi

Pastor, quero ser cientista!

23/06/2023

Outro dia, meu filho de oito anos disse já ter se decidido: “quando crescer, quero ser jogador do Barcelona ou cientista de insetos”. (Isso foi há longos seis meses, uma eternidade na vida de uma criança. Hoje, ele tem novas ideias: acrescentou designer de carros…)

Qual tem sido nossa reação quando um filho, ou outra criança da igreja, contempla a possibilidade de ser um cientista? Será que demonstramos um sorriso amarelo, internamente descartando o sonho da mesma forma que não levamos a sério sua carreira futebolística no Barcelona? E se a situação exigisse uma resposta dos pais intencionalmente instrutiva: temos motivado e instruído nossas crianças a contemplarem seriamente uma carreira científica, genuinamente entendendo que isso seja bom?

A Revista Pesquisa FAPESP de junho de 2023 trouxe uma matéria interessante sobre estratégias para atrair e reconhecer talentos para a carreira científica.¹ O foco da discussão está nas ações positivas para ampliar o interesse dos jovens e valorizar o trabalho dos pesquisadores no Brasil. Universidades, agências de fomento e os próprios cientistas reconhecem a necessidade de programas direcionados aos pesquisadores em início de carreira no país, possibilitando sua entrada efetiva no empreendimento científico. 

Ouvimos muitos falarem da “fuga de cérebros” para o exterior, quando talentos brasileiros partem em busca de melhores condições de carreira, mas meu receio está num nível mais profundo: temo a “perda de cérebros”, não necessariamente para o exterior, mas a que ocorre quando um potencial cientista brasileiro não é conduzido adequadamente nas trilhas iniciais da carreira ou se vê obrigado a abandonar o percurso dos seus sonhos profissionais por causa de problemas de fundamentos.

temo a “perda de cérebros”, não necessariamente para o exterior, mas a que ocorre quando um potencial cientista brasileiro não é conduzido adequadamente nas trilhas iniciais da carreira ou se vê obrigado a abandonar o percurso dos seus sonhos profissionais por causa de problemas de fundamentos.

A matéria da revista nos informa que “a perda de interesse na carreira científica tem razões complexas e ocorre em vários países”. Estados Unidos e Reino Unido também registram uma queda no interesse de seus jovens pelas carreiras científicas. O físico Ricardo Galvão, presidente do CNPq, aponta ser necessário “investir em educação para melhorar o letramento científico dos jovens brasileiros” como uma forma de enfrentar o problema ainda na raiz. Concordo que um bom programa educacional, fortalecido por aprimoramento da estrutura escolar, seja medida necessária. Contudo, acho que há algo mais profundo na maneira como entendemos e participamos do empreendimento científico. 

Nessa área, o cristão tem muito a contribuir… Se reconhecemos que nossas escolas poderiam fazer mais e melhor para direcionar bons cérebros para a ciência, será que nossas igrejas também não poderiam? Ou, para soar um pouco mais alarmista: será que nossas igrejas estão trabalhando na direção contrária, afastando jovens de uma potencial carreira científica? A pergunta é sincera.

Em uma geração com mais acesso à educação básica e ao Ensino Superior, cada vez mais saturada de informação, o contato dos jovens cristãos com o mundo científico é simples consequência. Há quem queira evitar esse contato. Eu trabalho para redimir essa relação, especialmente diante da influência de uma sociedade naturalista e cientificista.

Estou convencido de que as igrejas precisam pastorear adequadamente o jovem moderno neste território da cultura. Algumas igrejas têm consciência disso, mas muitas têm errado o alvo. Entendo que uma postura apenas defensiva não seja adequada, pois pressupõe que o jovem precisa apenas se proteger das ameaças científicas do seu tempo. A ação propositiva é mais adequada: o jovem cristão vocacionado participa ativamente do processo de redenção da ciência no reino de Deus. Nessa perspectiva, ciência não é ameaça, mas oportunidade de ministério.

Entendo que uma postura apenas defensiva não seja adequada, pois pressupõe que o jovem precisa apenas se proteger das ameaças científicas do seu tempo. A ação propositiva é mais adequada: o jovem cristão vocacionado participa ativamente do processo de redenção da ciência no reino de Deus.

Como fazer isto dentro da igreja? Como fazer isto com as crianças dentro de casa? O primeiro passo é reconhecer o empreendimento científico dentro de uma cosmovisão cristã. Para isso, precisamos resgatar o ensino de uma boa teologia da ciência em nossas igrejas, com especial foco nas crianças e nos jovens, destacando seu potencial chamado para o ministério como cientistas. A igreja pode sair de uma postura negativa ou neutra com relação à carreira científica, restaurando uma visão positiva para um futuro cristão-na-ciência, que desenvolverá sua carreira diante da face de Deus.

Nesta linda citação, o astrônomo Johannes Kepler (1571-1630) se refere à descoberta do funcionamento do mundo natural (ciência) como um ato de adoração. Repare como ele usa o termo “sacerdote” para se referir ao serviço prestado por alguém que investiga o livro da natureza.

Eu estava meramente pensando os pensamentos de Deus após Ele. Uma vez que nós, astrônomos, somos sacerdotes do Deus supremo em relação ao livro da natureza, é bom para nós pensarmos não na glória de nossas mentes, mas, acima de tudo, na glória de Deus.²

Não teremos tempo para nos aprofundarmos esse ponto nesta coluna, mas aprecie como esse conceito do cientista como “sacerdote de Deus investigando o mundo criado” se desenvolveu nas palavras de um grande autor do nosso tempo, Tom McLeish (1962-2023):

A noção de um “sacerdócio universal” na teologia do Novo Testamento tem sido geralmente tomada no sentido de missão: os crentes são chamados para mediar entre Deus e a humanidade, compartilhando o evangelho. Mas é um sentido de sacerdócio enfraquecido, pois perde toda sua manifestação na vocação. Uma abordagem relacional para uma teologia da ciência pode invocar uma ideia muito mais forte, mas ainda transformada, de sacerdócio. Nesta visão, somos todos sacerdotes porque somos todos os mediadores da reconciliação em nossos próprios domínios especiais de vida e trabalho.

Os cientistas são sacerdotes no sentido de que trabalham especificamente para transformar o relacionamento rompido entre as pessoas e o mundo físico. É necessário um trabalho especial porque a tarefa exige um longo treinamento e habilidades específicas, mas esse não é um sacerdócio que impede que o novo entendimento sobre a ignorância, o novo deleite sobre o medo, o novo cultivo sobre a exploração, beneficie os outros. Pelo contrário, o seu trabalho é em nome do povo e requer uma celebração participativa regular.³

Que maravilha! O trabalho do cientista rende muitas glórias a Deus! A igreja precisa resgatar este sacerdócio na vida de nossas crianças e jovens, educando intermediadores que servem a Deus em nome do povo na nossa reconciliação com o mundo natural.

A igreja precisa resgatar este sacerdócio na vida de nossas crianças e jovens, educando intermediadores que servem a Deus em nome do povo na nossa reconciliação com o mundo natural.

Não apenas as escolas, não apenas as agências de fomento, não apenas as universidades… mas também as igrejas. Devemos participar com propriedade das estratégias para atrair e reconhecer talentos para a carreira científica, mas trazemos justificativas muito mais profundas para a mesa. Enquanto produzimos um Kaká do futebol, ou um eventual astro do Barcelona, podemos produzir muitos, mas muitos cristãos cientistas.

 

 

Os conteúdos das publicações da revista digital Unus Mundus são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem, necessariamente, a visão da Academia ABC².

1. Fabricio Marques, “Estratégias para atrair e reconhecer talentos”, Revista Pesquisa FAPESP, ano 24, n. 328, junho 2023.

2. Frase atribuída a Johannes Kepler.

3. Tom McLeish, Faith and Wisdom in Science, 2016.

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