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Guilherme de Carvalho

“Fé-e-Ciência” como Missão Cristã

11/05/2023

Qual é o motivo do esforço evangélico pelo diálogo com a ciência? 

A resposta a essa pergunta dependerá, naturalmente, de uma visão mais ampla sobre a tarefa cristã no mundo. Tendo isso em mente, sugiro que a questão seja fundamentalmente missiológica. 

A constatação de que Jesus é o Verbo encarnado por si só já fertiliza a mente com o desejo de encontrá-lo na ordem criada e de transpor os hiatos entre o evangelho e a mente secular; mas a convocação para anunciar o reino cósmico de Deus por meio de Cristo acrescenta ao desejo um imperativo. E assim a imaginação cristã ganha um forte empurrão espiritual e moral em direção a outras pessoas e outros imaginários – o que significa às vezes uma colisão frontal, mas também um abraço amigável e caloroso. 

No caso da ciência moderna, a história é um pouco mais complicada; o imperativo missionário da igreja a levou a um profundo engajamento com a mente grega, e séculos mais tarde isso frutificaria no engendramento da própria ciência moderna, em berço cristão, de modo que o mundo da ciência não é um mundo absolutamente outro, como se fosse uma terra estrangeira. Ainda assim, a missão cristã não se dirige apenas aos confins da terra; lugares familiares também precisam da proclamação do evangelho.

A constatação de que Jesus é o Verbo encarnado por si só já fertiliza a mente com o desejo de encontrá-lo na ordem criada e de transpor os hiatos entre o evangelho e a mente secular; mas a convocação para anunciar o reino cósmico de Deus por meio de Cristo acrescenta ao desejo um imperativo.

Nesse ponto, é comum ouvirmos a seguinte objeção: não é a grande comissão voltada para pessoas? Afinal, Jesus nos mandou pregar o evangelho a toda criatura. Não pregamos o evangelho para instituições, tradições ou práticas sociais; a evangelização visa apresentar o evangelho a indivíduos ou grupos de pessoas, de modo que tais diálogos teóricos, se legítimos, pertenceriam a outra seara.

A objeção tem um elemento de verdade: boas obras e boas ideias não são o mesmo que evangelização. O século XX viu um longo debate multieclesiástico sobre a natureza da missão cristã, e o movimento evangélico construiu um forte consenso sobre a necessidade de distinguir a evangelização de nossas obrigações sociais comuns. Segundo esse consenso, não podemos chamar os esforços cristãos por reforma social, seus investimentos em educação e suas lutas pela justiça pública de evangelização, porque evangelização é a proclamação e a instrução dos homens sobre o que Deus fez, e não sobre o que nós fazemos em resposta a ele. A tarefa kerigmática da igreja é de anunciar os atos redentivos de Deus, culminando na pessoa e obra de Cristo, e convocar os homens à conversão. Assim, reza o Pacto de Lausanne (1974): “[…] a evangelização propriamente dita é a proclamação do Cristo bíblico e histórico como Salvador e Senhor, com o intuito de persuadir as pessoas a vir a ele pessoalmente e, assim, se reconciliarem com Deus”.

Mas o outro lado da moeda é que o evangelicismo moderno reconheceu, também, que a demonstração prática do evangelho não pode ser separada da evangelização. Assim, o mesmo Pacto de Lausanne declara:

Aqui também nos arrependemos de nossa negligência e de termos algumas vezes considerado a evangelização e a atividade social mutuamente exclusivas. Embora a reconciliação com o homem não seja reconciliação com Deus, nem a ação social evangelização, nem a libertação política salvação, afirmamos que a evangelização e o envolvimento sócio-político são ambos parte do nosso dever cristão... Quando as pessoas recebem Cristo, nascem de novo em seu reino e devem procurar não só evidenciar, mas também divulgar a retidão do reino em meio a um mundo injusto. A salvação que alegamos possuir deve estar nos transformando na totalidade de nossas responsabilidades pessoais e sociais.

O Pacto deixa claro que a evangelização é “primordial” na missão, mas reconhece que a demonstração consequente é parte da missão. Em outros termos: a missão é integral, ou seja, envolve a pregação do evangelho e a sua demonstração. 

É nesse sentido que o próprio diálogo de teologia e ciência pode ser visto mais do que como uma aventura intelectual excêntrica de nerds cristãos, como pertencendo ao campo da demonstração cristã. Sendo assim, um imperativo missionário verdadeiramente integral não pode ignorar nenhum campo da vida humana, seja ele a arte, o desenvolvimento comunitário, os direitos humanos, a educação ou a ciência moderna.

É nesse sentido que o próprio diálogo de teologia e ciência pode ser visto mais do que como uma aventura intelectual excêntrica de nerds cristãos, como pertencendo ao campo da demonstração cristã.

Se, no entanto, pretendemos nos manter evangélicos diante dessa demanda, penso ser importantíssimo considerarmos a forma do nosso consenso missiológico: a evangelização é primordial na missão. Por isso mesmo, um diálogo evangélico genuíno com a ciência só pode acontecer sob a luz e a orientação do evangelho e reconhecendo o primado da evangelização.



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