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Algumas considerações sobre o estatuto científico das Humanidades

Marcelo Cabral|

22/09/2023

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Marcelo Cabral

Doutorando em filosofia pela Universidade Livre de Amsterdam e pela UNICAMP, estuda comunidades epistêmicas e sua relação com virtudes e vícios intelectuais. Possui mestrado em estudos teológicos pelo Calvin Theological Seminary. Possui graduação em filosofia e economia pela UNICAMP.

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Cabral, Marcelo. Algumas considerações sobre o estatuto científico das humanidades. Unus Mundus, Belo Horizonte, n. 2, jul-dez, 2023.

Ciência e pseudociências

A cultura científica moderna é, sem sombra de dúvidas, um dos projetos intelectuais mais bem-sucedidos da história humana – senão o mais bem-sucedido. Compreender e sustentar esse projeto é, portanto, uma tarefa essencial no mundo contemporâneo, especialmente tendo em vista o crescimento e a rápida disseminação de fake news, teorias da conspiração, do negacionismo científico e das famigeradas pseudociências.

Como diz Susan Haack,

Um homem só pode estar completamente maluco', C. S. Peirce escreveu em 1903, 'para duvidar que a ciência fez muitas e verdadeiras descobertas'. De fato, graças ao trabalho de muitas gerações de cientistas, nós agora sabemos muito mais sobre o mundo do que sabíamos há apenas alguns séculos atrás; e essa expansão do conhecimento nos permitiu transformar o nosso mundo e ampliar e melhorar as nossas vidas. Mas a ciência é um empreendimento humano; e, portanto, inevitavelmente combina ‘insight e cegueira ... mesquinharia e esplendor.’¹

A ciência é um empreendimento humano – demasiadamente humano, como alertou Nietzsche. Isso significa que parte da tarefa de protegê-la e sustentá-la envolve observar seus limites, entender sua história e resistir à tentação de menosprezar outras disciplinas que possuem um caráter distinto. Quando algum cientista faz isso, ele acaba por cometer uma forma de pseudofilosofia, a mesma classe de erro que diz querer enfrentar. 

Essa antiga discussão voltou recentemente às manchetes por conta do livro Que Bobagem!,² escrito por Natalia Pasternak, bióloga e divulgadora científica, e Carlos Orsi, um jornalista. Um livro de linguagem simples e direta, Que bobagem! argumenta que várias ideias, teorias e práticas que gozam de certa popularidade intelectual, como a homeopatia, a astrologia e a psicanálise, não passam de pseudociências: elas almejam e alegam ter o prestígio das ciências bem-estabelecidas, mas sem possuir evidências que as certifiquem e corroborem. Elas fingem ser científicas, mas não passam de especulação sem comprovação.

Meu objetivo neste artigo não é analisar o livro a fundo. Embora eu concorde que várias das práticas atacadas por ele são pseudociências, infelizmente é filosoficamente fraco – e, no fim das contas, por abordar o estatuto científico de uma área ou disciplina, Que bobagem! acaba se constituindo em um livro de filosofia, e não de ciência.

O que causou maior polêmica no livro foi acusar a psicanálise de ser uma pseudociência – uma alegação que não é nova e tampouco incontroversa. Como não sou psicanalista nem psicólogo, não meto os dedos nessa querela, mas quero aproveitá-la para discutir como este livro e discursos parecidos podem acabar servindo como combustível para uma atitude bem pouco científica, especialmente com relação à filosofia e às humanidades. Afinal de contas, que instrumentos ou virtudes permitem a alguém dizer, justificadamente, o que conta como conhecimento e o que não passa de mera falsificação? 

A cultura científica moderna é a única atividade epistêmica válida?

De início, há um cuidado importante que devemos ter ao falarmos sobre ciência, método científico, cultura científica e afins. Alguns usam essas expressões com a ideia implícita de que apenas as ciências (normalmente, as ciências naturais ou que se conformam a um ideal – poucas vezes praticado – de método científico unificado) constituem (ou geram) conhecimento, isto é, apenas as ciências são um projeto epistêmico válido. Chamemos estes de cientificistas

Em primeiro lugar, para o cientificista, qual seria a posição epistêmica da filosofia? Afinal de contas, ela não é uma ciência natural. E das artes, da literatura, da psicologia, da história e das humanidades em geral? Visto que não compartilham do “método científico”, seriam todas elas epistemicamente irrelevantes, incapazes de gerar conhecimento ou entendimento? Tal atitude acabaria por descartar, o que parece, alguns dos empreendimentos intelectuais mais significativos para a vida humana. 

Em segundo lugar, a própria afirmação “só as ciências naturais constituem (ou geram) conhecimento genuíno” não é, ela própria, uma afirmação científica. É uma posição filosófica, insuscetível de ser testada empiricamente. O cientificista, que diz prezar tanto pela ciência, às vezes abraça dogmaticamente teses que a própria ciência não pode provar. 

Em terceiro lugar, muitos cientificistas parecem ter faltado a um curso básico de epistemologia. Será que eles sabem o que significa o termo “conhecimento”? Pois, ao dizerem que somente a ciência é conhecimento genuíno, parecem desconhecer toda a história do importante debate sobre o que é, de fato, o conhecimento, suas fontes, sua natureza e as condições de sua manifestação. Alguns grandes autores, como John Locke no século 17, ou a atual professora de Harvard, Catherine Elgin, defendem que as ciências naturais não geram conhecimento, mas algum estado epistêmico inferior: para Locke,³ porque às ciências empíricas falta o grau de certeza requerido; para Elgin,⁴ porque as ciências não produzem verdades, mas modelos aproximados da realidade. Ambos os autores, é importante dizer, têm as ciências naturais em alta estima. Outros, como Alexander Bird, ao contrário, defendem que as ciências produzem, sim, uma forma de conhecimento social.⁵ Mas parece que, na discussão atual muitos, e os cientificistas em particular, fazem afirmações filosóficas sem antes terem feito a lição de casa. O cientificista, na ânsia de combater as pseudociências, acaba promovendo pseudofilosofia. 

a própria afirmação “só as ciências naturais constituem (ou geram) conhecimento genuíno” não é, ela própria, uma afirmação científica. É uma posição filosófica, insuscetível de ser testada empiricamente. O cientificista, que diz prezar tanto pela ciência, às vezes abraça dogmaticamente teses que a própria ciência não pode provar.

O projeto de demarcação

Rudolf Carnap foi um dos mais renomados membros do Círculo de Viena, um grupo de pensadores que, especialmente na primeira metade do século 20, formaram uma das comunidades intelectuais mais importantes e prestigiadas de seu tempo. Legaram diversas contribuições importantes para filosofia da linguagem, da matemática, da lógica, entre outras. Uma de suas maiores preocupações foi a filosofia da ciência – mais especificamente, encontrar e descrever um critério que pudesse demarcar o território científico – visando diferenciar as ciências genuínas de empreendimentos intelectuais inúteis ou sem sentido. Sua postura filosófica ficou conhecida como positivismo lógico.

Para os positivistas, o critério de demarcação eleito foi a verificabilidade: só é ciência o tipo de teoria que é passível de verificação empírica e que, de fato, é confirmado pelos testes empíricos. Isso está encadeado com o princípio central do Círculo de Viena de que apenas declarações que podem ser verificadas podem ser consideradas significativas. Teses não verificáveis empiricamente, como as propostas pela metafísica (e, poderíamos acrescentar, pela literatura, pela teologia, etc.) são sem significado, mero non sense. Tal critério tem o seu apelo: a confirmação pelas observações empíricas é, de fato, um dos sustentáculos da ciência moderna. Mas os positivistas, a despeito de suas importantes contribuições, não perceberam que seu próprio critério fracassava perante o teste de verificabilidade que eles tanto advogavam.

Popper e o falsificacionismo

Conforme vimos, a afirmação “só é conhecimento genuíno o que pode ser verificado empiricamente” não pode, ela mesma, ser empiricamente verificada. As demandas epistêmicas dos positivistas eram restritivas demais para suas próprias afirmações, tendo em vista que seu próprio critério – que não pode ser verificado empiricamente – seria, no fim das contas, mero non sense. Ademais, como vários filósofos observaram, diversos conhecimentos fundamentais para a vida humana não são legitimados pelo critério positivista. Por exemplo, o conhecimento que obtemos por meio de nossa memória e o conhecimento de que existem outras mentes além das nossas não são empiricamente testáveis, mas são, mesmo assim, essenciais para o fazer científico e para a vida em comum.

Os ataques ao verificacionismo também vieram de colegas de trincheira. Karl Popper, um empirista, observou um problema fatal: o critério de verificabilidade nunca pode, de fato, ser verificado. Imagine um teste simples para a hipótese: “só existem cisnes brancos”. Mesmo que um cientista, ou mesmo todos os cientistas do mundo, confirmassem tal hipótese ao observar cisnes brancos e não encontrar nenhum cisne de outra cor, haverá sempre a possibilidade, afirmou Popper, de um dia alguém achar, talvez em um lago escondido, um cisne negro. O problema do verificacionismo é que o resultado de um teste empírico para verificar uma hipótese será sempre provisório e passível de ser descartado em algum momento. 

Popper é pop. E não sem razão. Suas contribuições são muitas, e algumas de suas posições são complexas. O que o tornou pop, entretanto, foi o critério por ele proposto para substituir o critério positivista: o falsificacionismo. Para Popper, só as teorias falseáveis podem ser científicas. Embora isso possa parecer contraintuitivo em um primeiro momento, sua tese desfruta de algum prestígio até os dias de hoje. 

Dizer que uma teoria é falseável não é dizer que ela é falsa. Significa, em vez disso, que a teoria faz algumas previsões objetivas que são capazes de serem testadas contra a experiência.

Popper dizia que nenhuma teoria pode ser provada, tal como uma demonstração na matemática. O máximo que podemos alcançar são boas conjecturas (hipóteses, se preferir), e, por meio de experimentos cruciais, testá-las. Se as hipóteses se mostrarem erradas, então a teoria é falseada, ou desaprovada. Então, defendia Popper, uma teoria científica é uma teoria que pode eventualmente se descobrir falsa, e isso, ele argumenta, não se aplica a todo e qualquer tipo de teoria. Ele apontou que algumas supostas teorias científicas que não satisfaziam essa condição não mereciam o título de ciência – eram nada mais do que pseudociência. Entre os exemplos clássicos elencados por Popper estavam a teoria do valor de Marx e a psicanálise de Freud. Portanto, o livro de Pasternak e Orsi não oferece nada de novo no front. Mas acaso o critério da falseabilidade cumpre o que promete? É ele capaz de demarcar a separação entre ciências legítimas e empreendimentos intelectuais falhos ou falsos?

Limitações da visão popperiana

Popper pinta uma imagem do cientista como um herói asceta. Como diz o grande historiador da ciência, Stephen Gaukroger:

No relato de Popper, o “cientista enquanto herói” atinge seu apogeu, assumindo o papel do asceta pela forma da autoprivação intelectual. Lutando contra suas inclinações naturais, o cientista deve, ele mesmo, tentar demonstrar que as teorias desenvolvidas por ele são falsas.⁶

É notável que alguns autores contemporâneos usem ideias filosóficas datadas como se fossem a última palavra. Embora Pasternak e Orsi pouco citem nominalmente Popper, é visível que seus argumentos no capítulo sobre a psicanálise são Popper for dummies. Questionar o estatuto científico da psicanálise, volto a dizer, é totalmente legítimo, mas isso tem que ser bem-feito. 

Mais de seis décadas se passaram desde que Popper propôs seu critério. Hoje, em filosofia da ciência, poucos (ou talvez nenhum filósofo de ponta) o adotam de modo irrestrito. Em primeiro lugar, como Thomas Kuhn⁷ observou, a proposta popperiana contraria muito da prática cotidiana nas ciências. Por exemplo, Popper rejeitou as teorias de Marx e Freud por, segundo ele, serem doutrinas que sempre contornavam qualquer dado que conflitasse com suas posições, em vez de aceitar que haviam sido refutadas. Elas não eram teorias falseáveis. 

Entretanto, temos muita evidência de que isso acontece com bastante frequência em todos os ramos da ciência. Aliás, sem que os autores tenham uma certa confiança em suas teorias, dificilmente a ciência avança. Os experimentos podem falhar, por exemplo, porque são tecnicamente problemáticos, com defeitos em peças etc., ou porque outros componentes, que não haviam sido previstos pela teoria, desempenham um papel importante. É necessário uma certa insistência, e ajustes, para que as teorias se consolidem, mesmo as melhores. 

Isaac Newton, a partir de sua teoria da gravitação, fez previsões dos caminhos que cada um dos planetas deveria fazer ao gravitar ao redor do Sol. Entretanto, as observações de Urano consistentemente contradiziam a teoria de Newton. De acordo com uma visão popperiana ingênua, se Newton não aceitasse o fracasso empírico de sua previsão, ele estaria negando o critério da falseabilidade e praticando pseudociência. Se aceitasse, deveria simplesmente descartá-la. No entanto, Newton manteve sua intuição e continuou apegado às suas propostas. Imagine se a teoria tivesse sido descartada? O enigma foi resolvido em 1846 por dois cientistas, Adams, na Inglaterra, e Leverrier, na França, trabalhando independentemente. Eles sugeriram que havia outro planeta que afetava a órbita de Urano, e inclusive calcularam a massa e a posição de tal planeta. Depois de um tempo, Netuno foi descoberto, quase exatamente com as proporções propostas por eles. Será que Adams e Leverrier também foram pseudocientistas? Pois começaram com uma teoria, contradita pela experiência, e insistiram nela.

Há muito o que se dizer sobre critério popperiano. Vale lembrar que algumas áreas de pesquisa científica versam sobre eventos singulares que, por definição, não são testáveis por meio de experimentos usuais. Pense na complexidade da big science, nas redes de dados e na impossibilidade de delimitar um experimento ‘falseável’ nos moldes idealizados. Mesmo as ciências que tratam de eventos históricos (como a teoria da evolução), não podem ser facilmente verificadas ou falseadas por meio de testes cruciais controlados. Ela depende de entendimentos teóricos profundos e de conjuntos complexos de observações e achados. O critério de Popper simpliciter deixa de fora do hall das ciências algumas das teorias e projetos de pesquisa mais prestigiosos que existem. O polêmico Kuhn estava certo ao menos quando afirmou “Se a história fosse vista como algo mais do que um repositório de anedotas ou cronologias, poderia produzir uma transformação decisiva na imagem da ciência que atualmente nos domina”.

Se há um consenso atual entre os filósofos da ciência é o de que não existe um único critério universal capaz de demarcar ciência de pseudociência. O que existe é um conjunto de critérios, ou melhor, de valores epistêmicos, que marcam o estatuto epistêmico (isto é, a qualidade intelectual) de diversas teorias, frameworks intelectuais e projetos de pesquisa. O critério de Popper é um dos valores importantes, mas que não deve ser aplicado universalmente ou cegamente a todo e qualquer tipo de teoria. Afinal de contas, aplicações dessa natureza parecem ir contra a atitude verdadeiramente científica. Como Haack diz:

Eu enfatizaria que a preocupação com a demarcação acaba por coadunar uma concepção seriamente simplificada do que é, na realidade, uma densa e complexa mescla de similaridades e discrepâncias entre as disciplinas que contamos como as ciências e de continuidades e descontinuidades entre essas disciplinas e outras não assim classificadas. É perder de vista os elementos de vicissitude histórica e convenção na classificação de disciplinas, dos confusos, instáveis e contestáveis limites da ciência, e da própria categoria “não-ciência”. E essa preocupação nos tenta a esquecer que “não científico” inclui muitos empreendimentos legítimos e valiosos: escrever uma obra de ficção ou produzir arte, por exemplo – são excluídos porque não são tipos de investigação científica; a matemática pura, interpretação literária, estudo de leis, investigação de valores morais, estéticos ou mesmo epistemológicos – são excluídos porque não são descritivos, mas normativos; isso sem mencionar a pesquisa histórica ou a metafísica – ambos, novamente, pelas minhas lentes, formas legítimas e valiosas de investigação mas que não são, no sentido moderno, ciências.⁹

Valores epistêmicos e outros valores

“Tudo o que importa é a evidência!” Claro, toda ciência que se preze (especialmente as ciências naturais, mas também algumas humanidades, como a história e a psicologia), preza pelas evidências. Um dos méritos da cultura científica que emergiu a partir dos séculos 16 e 17, como enfatizam Gaukroger¹⁰ e Peter Harrison,¹¹ foi um tipo de antirracionalismo: uma desconfiança nas capacidades naturais da razão e, por isso mesmo, uma dependência crescente de uma comunidade de especialistas e críticos capazes de corrigir vieses e interesses individuais, uma dependência de instrumentos para ampliar capacidades humanas e a confirmação experimental. Sim, a evidência importa, e importa muito.

Não precisamos ser kantianos, entretanto, para indagar como a evidência é produzida, julgada e avalizada. Como coletamos a evidência? Quais são os critérios para dizer o que conta como evidência? Os filósofos da ciência afirmam que mesmo as nossas observações mais elementares são carregadas de teoria [theory-laden],¹² e nossa orientação do mundo é enraizada em perspectivas,¹³ paradigmas¹⁴ ou tradições intelectuais¹⁵ que permeiam e dirigem todo o esforço epistêmico. Olhos puros não existem na ciência e em nenhum outro lugar, e isso não é menosprezar a importância da busca por evidências. Mas é entendê-la apropriadamente: há um interplay complexo e criativo entre os agentes que compõem uma comunidade epistêmica, seus paradigmas, seus valores e o julgamento das evidências. A ciência moderna é, em grande medida, um empreendimento de grande sucesso porque esse interplay é constantemente enriquecido. 

Muitos cientificistas alegam (às vezes invocando Max Weber) que a ciência é o lugar dos fatos e das evidências, e às humanidades (ou à religião e metafísica) resta lidar com os valores. Como Reitter e Wellmon argumentam, é uma péssima interpretação de Weber dizer que ele sugeriu uma cisão entre “fatos” e “valores”, como se a atividade científica não devesse ser afetada por nenhum valor, mas apenas pela observação nua e crua dos fatos, a pura racionalidade, a listagem e confirmação de evidências.¹⁶

Valores podem influenciar a ciência e a sociedade de muitas maneiras, ao prover a inspiração para perseguir certos tópicos, ao alterar questões e métodos que pesquisadores utilizam e ao mudar a quantidade de evidência [ou mesmo tipo de evidência] demandada antes de tomar conclusões. Mas é claro também que os valores podem ter uma influência problemática. Podem levar a uma supressão de ideias importantes, resultar em interpretações questionáveis da evidência disponível e fazer com que pesquisadores enganem o público a respeito do estado da pesquisa científica.¹⁷

Podemos listar aqui alguns dos valores epistêmicos nas ciências naturais:

  1. Adequação empírica
  2. Falseável (Popper)
  3. Capacidade de gerar novas predições
  4. Abrangência (poder explanatório)
  5. Consiliência (explicar hipóteses que lidam com outros fenômenos não especificados)
  6. Conexão com outras teorias
  7. Simplicidade
  8. Beleza¹⁸

Olhos puros não existem na ciência e em nenhum outro lugar, e isso não é menosprezar a importância da busca por evidências. Mas é entendê-la apropriadamente: há um interplay complexo e criativo entre os agentes que compõem uma comunidade epistêmica, seus paradigmas, seus valores e o julgamento das evidências.

Pluralidade de valores epistêmicos

Cada comunidade de conhecimento cultiva certos valores epistêmicos tendo em vista os bens intelectuais que ela pode e pretende produzir. Os bens (e valores) relevantes na história são parcialmente iguais e parcialmente diferentes daqueles da filosofia e da biologia. E dentro de cada disciplina existem debates, disputas e tensões permanentes sobre a definição dos bens a serem produzidos e da caracterização e dos modos de cultivo dos valores.¹⁹ Talvez a única regra universal para o saber científico seja de que ele é, fundamentalmente, fruto de esforços coletivos e depende continuamente da legitimação da comunidade de especialistas. Instituições sociais como conferências para apresentação e crítica de ideias, revistas com critério de duplo-cego, críticas de pares entre outros são a base de todas as formas de ciência.²⁰

As pseudociências são um grave problema. Concordo que muitos enxergam apenas as evidências que querem, apenas os dados que corroboram o que já acreditam. São vítimas do wishful thinking, isto é, aceitam ou rejeitam hipóteses ou teorias apenas porque querem que sejam falsas ou verdadeiras. A maioria das pessoas que cometem wishful thinking não pensa que o estão cometendo; acredita, ao contrário, que possui excelentes razões para suas conclusões. Dizer, entretanto, que devemos nos “ater às evidências” e ignorar os valores não resolve em nada o problema. Contra os vícios, a única solução possível são as virtudes.

Talvez a única regra universal para o saber científico seja de que ele é, fundamentalmente, fruto de esforços coletivos e depende continuamente da legitimação da comunidade de especialistas. Instituições sociais como conferências para apresentação e crítica de ideias, revistas com critério de duplo-cego, críticas de pares entre outros são a base de todas as formas de ciência.

Não só valores, mas virtudes intelectuais

Acaso as ciências naturais têm alguma relação com caráter, virtudes ou moralidade? Não são – ao contrário – as ciências completamente indiferentes à formação moral de seus praticantes? Afinal de contas, esse papo de caráter e moral parece coisa de filosofia e humanidades, não de ciência. As coisas são, novamente, muito mais sutis do que podem parecer. Um número crescente de epistemólogos²¹ e mesmo de filósofos da ciência²² têm observado que a ciência sempre dependeu, e continua a depender, do cultivo e sustentação de certas virtudes intelectuais e morais em seus praticantes. A ciência depende, por exemplo, da honestidade intelectual, da humildade intelectual e da coragem intelectual. Robert Pennock, em seu excelente livro An Instinct for Truth, diz:

A ciência tem uma profunda estrutura moral que emerge em relação ao seu propósito central e norteador de descobrir verdades empíricas sobre o mundo natural. Entender a ciência em termos de teoria de virtude pode nos ajudar a encontrar modos de comunicar através das lacunas que parecem dividi-la das humanidades e de outras práticas intelectuais.²³

Para Pennock, assim como anteriormente para Michael Polanyi,²⁴ o trabalho científico, para além dos esforços objetivos, possui um alto caráter pessoal, no qual, como em outros ofícios, os iniciantes são incluídos em práticas sociais e hábitos coletivos que requerem, para serem praticados de modo excelente, não só o aprendizado de regras e métodos, mas a incorporação de um know-how que não pode ser ensinado apenas por meio de livros. Os iniciantes precisam também apropriar-se das virtudes intelectuais (e morais) que conferem o julgamento maduro e a disposição sábia na busca dos bens intelectuais. 

Mesmo o critério de Popper, como vimos, contém um forte componente moral: o cientista deve lutar contra os impulsos inatos de salvar sua teoria e fazer de tudo para falseá-la. 

Algumas virtudes intelectuais:

  1. Curiosidade científica
  2. Rigor nos procedimentos
  3. Atenção aos detalhes do experimento
  4. “Mente-aberta” para possíveis vieses pessoais
  5. Ceticismo temperado
  6. Autonomia em relação aos financiadores e interesses ideológicos externos à própria prática científica
  7. Sabedoria prática (phronesis)
 

Não somente a interpretação de textos na literatura, ou a interpretação de documentos históricos ou doutrinas filosóficas, mas mesmo as ciências duras dependem de uma certa sabedoria (como os gregos chamavam, phronesis), uma intuição disciplinada, uma sensibilidade epistêmica para o seu sucesso. Susan Haack diz:

Os cientistas trazem mais do que uma caixa de ferramentas para o seu trabalho. Eles também precisam tomar decisões complexas sobre como interpretar dados, quais problemas perseguir e sobre quando terminar um experimento. Eles precisam escolher as melhores maneiras de trabalhar com os outros e como trocar informações. Tomadas conjuntamente, essas questões de julgamento contribuem enormemente para o ofício científico, e o caráter das decisões pessoais de um cientista ajudam a determinar o seu estilo científico (assim como o impacto do seu trabalho).²⁵

Ciências naturais são modos de investigação sistemática e disciplinada que almejam um maior entendimento (explicação) dos entes, dos processos e das relações presentes no mundo natural.²⁶ Para que alcancem sucesso (boas teorias e explicações), elas dependem do cultivo e realização de certas virtudes por parte de seus praticantes, virtudes que são aprendidas e estendidas na participação em comunidades científicas que buscam realizar suas práticas de forma excelente.

As humanidades não gozam de uma coesão metodológica como aquela presente nas ciências naturais, mas constituem um conjunto díspar de áreas que são, não obstante, investigações sistemáticas e disciplinas que almejam um maior entendimento do ser humano, suas relações, formas de convívio, constituição psíquica, moral e cultural. 

Algumas considerações sobre o estatuto epistêmico das ciências humanas

Muitos dos conhecimentos mais valiosos que podemos buscar ou adquirir são imunes a respostas científicas. Timothy Williamson, grande filósofo de Oxford, nos lembra que, embora as ciências possam nos dizer bastante sobre a tortura (por exemplo, seus efeitos neurológicos), ela é inútil para responder à pergunta “é a tortura, sempre e em qualquer circunstância, moralmente errada?”²⁷. A questão fundamental sobre que tipo de sociedade devemos optar pode receber bons insights das ciências sociais, como dados sobre diferentes regimes políticos e alguns de seus efeitos públicos. Mas esta é uma pergunta fundamentalmente filosófica, que tem muito a se beneficiar da história e mesmo da literatura. Como Linda Zagzebski lembra,²⁸ a compreensão de algumas das coisas mais valiosas é de parcelas da realidade que não podem ser proposicionalmente representadas e, portanto, não podem receber trato científico. Ainda, o tão buscado autoconhecimento – há projeto mais importante? Sócrates viveu pela máxima “conhece-te a si mesmo”: podemos aprender sobre nossa constituição físico-química, nosso passado evolutivo, nossas tendências biológicas, mas nenhuma dessas disciplinas é capaz de dar a resposta final para a pergunta “quem sou eu?”. Para responder a essa pergunta, leia grandes romances, estude filosofia e teologia (e, para alguns, uma boa psicoterapia) e desenvolva uma atitude reflexiva saudável. Tolstói, Machado de Assis, Natalia Ginzburg, Drummond e Rachmaninoff não geraram apenas bens aptos de apreciação estética, mas também bens intelectuais que fornecem profundo entendimento do ser humano, suas emoções, forma de organizar memórias e sua busca moral.

Comecei este artigo afirmando a importância fundamental das ciências duras para a vida humana e para o mundo contemporâneo. As ciências precisam ser valorizadas, financiadas, protegidas e ter influência nas decisões de políticas públicas. Mas nada disso se beneficiará de uma filosofia da ciência ultrapassada, da tentativa de encontrar um único critério de demarcação, de desmerecer as humanidades ou pensar que o método ideal científico é a única medida para todo empreendimento intelectual.²⁹ O cientificista, na ânsia de combater as pseudociências, acaba muitas vezes promovendo formas de pseudofilosofia.

As ciências precisam ser valorizadas, financiadas, protegidas e ter influência nas decisões de políticas públicas. Mas nada disso se beneficiará de uma filosofia da ciência ultrapassada, da tentativa de encontrar um único critério de demarcação, de desmerecer as humanidades ou pensar que o método ideal científico é a única medida para todo empreendimento intelectual.

Acaso as humanidades são científicas? Se por “científico” você quer dizer aquilo que se molda pelo padrão das ciências duras, que trabalha com testes controlados e que se fundamenta na dupla empirismo mais modelagem matemática, evidentemente não. Mas se tivermos uma compreensão mais ampla, aliada à noção alemã wissenchaft,³⁰ pela qual a ciência é entendida como disciplinas academicamente informadas, que possuem comunidades de especialistas, que se baseiam em valores epistêmicos, que geram conhecimento ou outros bem intelectuais, então, sim, as humanidades são ciência (que vem do latim scientia e remete ao greco episteme). São áreas fundamentais de conhecimento humano e que, como todos os projetos intelectuais, podem e devem ser questionados, refinados, criticados, estendidos, remodelados e, talvez, passar até por revoluções no sentido kuhniano. Embora existam certos consensos entre os especialistas das humanidades, elas são disciplinas que, por sua própria natureza, permitem e abarcam um conjunto mais diverso de perspectivas, de modelos explicativos e de abordagens teóricas. Isso não deve ser visto (necessariamente) como um demérito epistêmico; o ser humano (alvo do estudo das humanidades, por suposto) continua escapando a definições finais e entendimentos fechados.

Tal multiplicidade de perspectivas pode ser explicada, ao menos parcialmente, pelo fato de toda atitude teórica que tem por objeto o ser humano depender de uma certa concepção pré-teórica de sua natureza ou de uma certa filosofia antropológica (muitas vezes aceita implicitamente). Tais concepções e antropologias podem e devem se beneficiar constantemente dos achados científicos, mas nunca se esgotarão por eles: os próprios achados científicos são pesados, avaliados e selecionados de acordo com a antropologia filosófica adotada. Tal dependência epistêmica faz o cientificista criticar as humanidades como “dependentes da metafísica”. É salutar, entretanto, que ele se lembre de que todo o empreendimento das ciências naturais também depende de certas bases metafísicas. A confiança nas faculdades cognitivas e o pressuposto de ordem no mundo natural, por exemplo, são bases necessárias para toda a ciência.³¹ 

Vale acrescentar, como aponta Gaukroger, que um dos modos de entender o porquê o estatuto epistêmico das humanidades não deve ser avalizado por uma simples comparação com as ciências naturais advém de uma distinção entre razões e causas. Fornecer as razões que alguém tem para fazer algo – interpretar seu comportamento – e fornecer as causas daquele comportamento são duas coisas diferentes: a primeira trata da interpretação do comportamento, enquanto a segunda procura a sua explicação. A primeira procura capturar como os próprios atores concebem o que eles estão fazendo, ao passo que a segunda não faz isso. Enquanto é apropriado “dar um passo atrás” dos fenômenos que observamos nas ciências naturais para alcançar um alto grau de objetividade, isso pode ser inapropriado nas ciências humanas, pois nelas se lida não com um domínio objetificado, mas com seres humanos que possuem estados intencionais, emoções e habilidade de exercer julgamentos. Esses atributos são compartilhados com o investigador, e por isso mesmo o investigador está em posição de interpretá-los e entendê-los. Isso não nega que a objetividade, no sentido de imparcialidade, também é importante nas ciências humanas. Entretanto, revela que a objetividade nas humanidades não pode ser meramente importada das ciências naturais, visto que o que está em questão não é o descobrimento de causas, mas a interpretação de comportamentos, relações sociais e fenômenos culturais.³²

Vale lembrar que a primeira das disciplinas acadêmicas modernas, e que acabou por modelar todas as outras disciplinas, não foi a química nem a física, mas a filologia, reunindo rigor técnico, desenvolvimento metodológico, crescente especialização e sistematização dos achados e conclusões.³³ 

Disse que não falaria nada sobre a psicanálise, mas arriscarei um único palpite. Preocupam-me os psicanalistas (ou mesmo psicólogos de outras abordagens) que não estão inseridos em uma comunidade epistêmica, em um processo de contínuo aprendizado, de discussão de casos e de aprofundamento teórico. Na ciência não há lugar para individualistas.

Wittgenstein, curiosamente, elogiava Freud não porque o achava científico, mas exatamente porque ele extrapolava a estreiteza das ciências naturais, e era capaz de teorizar a partir de certas representações e perspectivas com potencial explicativo sobre os impulsos, mal-estares e perplexidades humanas.

Concluo com um diálogo (ficcional) entre uma cientista e seu marido, psicanalista, em uma vila isolada da Suíça, em 1953. Que a nossa (legítima) ânsia pela verdade do mundo natural não nos permita dobrar a complexa, misteriosa, rica e multifacetada humanidade a um único método que nunca foi praticado por ninguém. Que nossa defesa da ciência não se verta em pseudofilosofia.

“Eu não faço ideia, Nicolas.” Ela riu.
“Você bebeu demais.”
Ele olhou para baixo, envergonhado. A pergunta que ele queria fazer a ela, ao físico premiado, a qualquer pessoa disposta a responder, era se existia sentido por trás do absurdo. De repente, aquela pareceu a única pergunta possível, e tudo se resumiria a isso.
“Ciência nenhuma vai responder isso”, ela falou, e por um instante Nicolas pensou que tivesse verbalizado seus pensamentos. “A ciência é um monte de gente tentando mostrar que a geração anterior estava errada. Não duvido que daqui a pouco alguém apareça mostrando que a gravidade não funciona como esperávamos. Ou que o mundo é, sim, como um relógio, que as outras teorias é que não compreendiam seus mecanismos.”
“E as grandes questões nunca serão respondidas.”
“Não. No máximo, respostas parciais. Podemos entender a mecânica de como surgiu o universo, mas nunca os motivos pelos quais ele surgiu.”
“E o porquê de estarmos aqui, neste planeta, neste restaurante, existindo dentro desse corpo, por que eu sou Nicolas e você é Anna, por que estamos aqui olhando um para a cara do outro.”
“Não. Nunca vai ter resposta para isso.”
“Eu sei. Por isso tudo é tão triste.”
“Não precisa ser. Existe graça no mistério”.³⁴

 

 

Os conteúdos das publicações da revista digital Unus Mundus são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem, necessariamente, a visão da Academia ABC².

1. Susan Haack, Lecture I: Science, Yes; Scientism, 2017. Clique aqui para acessar.

2. Natalia Pasternak e Carlos Orsi, Que bobagem!: pseudociências e outros absurdos que não merecem ser levados a sério, 2023.

3. John Locke, Of the Conduct of the Understanding, 1966.

4. Catherine Z. Elgin, True Enough, 2017.

5. Alexander Bird, “Social Knowing: The Social Sense of ‘Scientific Knowledge,’” Philosophical Perspectives, v. 24, no. 1, 2010.

6. Stephen Gaukroger, The Emergence of a Scientific Culture: Science and the Shaping of Modernity, 2006, p. 30.

7. Thomas S. Kuhn, The Structure of Scientific Revolutions, 1962.

8. Kuhn, 1962, p. 59.

9. Haack, 2017.

10. Gaukroger, The Emergence of a Scientific Culture, 2009.

11. Peter Harrison, Os Territórios Da Ciência e Da Religião, 2017; Peter Harrison, “Science and Religion as Historical Traditions,” After Science and Religion: Fresh Perspectives from Philosophy and Theology, ed. John Milbank and Peter Harrison, 2022.

12. Karin Knorr Cetina, Epistemic Cultures: How the Sciences Make Knowledge, 1999; Helen E. Longino, Science as Social Knowledge: Values and Objectivity in Scientific Inquiry, 1990.

13. Wayne Riggs, “The Routledge Handbook of Virtue Epistemology,” Open-Mindedness, 2019.

14. Kuhn, 1962.

15. Alasdair MacIntyre, Whose Justice? Which Rationality?, 1988.

16. Paul Reitter and Chad Wellmon, Permanent Crisis: The Humanities in a Disenchanted Age, 2021. “Tentar excluir valores é um pouco como afirmar que facas não deveriam mais ser permitidas nas cozinhas porque as pessoas poderiam se machucar com elas. Os valores podem causar sérios problemas na ciência, assim como as facas podem causar ferimentos significativos, mas o fato de poderem ser usadas de maneira imprudente ou inadequada em alguns casos não significa que sejam problemáticas em todas as circunstâncias.” (Elliot Tapestry of Values 8).

17. Kevin Christopher Elliott, A Tapestry of Values: An Introduction to Values in Science, 2017, p. 7.

18. Talvez seja surpreendente para alguns que um critério como “beleza”, tipicamente uma propriedade de objetos de apreciação estética, conte como um valor epistêmico. Entretanto, a harmonia, simetria ou outros componentes ‘estéticos’ tipicamente são utilizados para justificar o valor de teorias científicas. Polanyi diz, “A afirmação de uma grande teoria científica é em parte uma expressão de encanto. A teoria tem um componente inarticulado que aclama sua beleza.” Michael Polanyi, Personal Knowledge: Towards a Post-Critical Philosophy, 2015. Como, entretanto, justificar isso? Estaria a metafísica platônica correta em afirmar que existe alguma conexão entre a beleza e a verdade? Questões científicas devem ser separadas da metafísica; mas, invariavelmente, a ciência acaba por esbarrar em suas próprias fundações metafísicas. Não foi sem razão que Nietzsche afirmou “Mas já terão compreendido onde quero chegar, isto é, que a nossa fé na ciência repousa ainda numa crença metafísica – que também nós, que hoje buscamos conhecimento, nós, ateus e antimetafísicos, que ainda tiramos nossa flama daquele fogo que é uma fé milenar ascendeu, aquela crença cristã, que era também de Platão, de que Deus é a verdade, de que a verdade é divina” Friedrich Nietzsche, Gaia Ciência, 210, SS 344.

19. “Na prática, parece claro que não há nenhum template ou critério predeterminado; eles emergem no curso da prática e são julgamentos em grande medida nos termos de quão bem eles retrospectivamente avaliam teorias que são conhecidas ou creditadas como bem-sucedidas, e podem levar a predição de futuras teorias bem sucedidas”. McGrath, 2019.

20. Como dizem O’Connor e Wheatherall, “a maioria dos avanços científicos resulta do lento acúmulo de conhecimento em uma comunidade. Suposições e observações vêm de muitas direções. Estas percepções espalham-se e acumulam-se gradualmente, levando a ainda mais hipóteses e novas ideias sobre como juntar evidências. Somente depois de um processo longo e colaborativo podemos dizer que os cientistas alcançaram uma nova descoberta. Crucial para este processo é a rede de interação humana que liga os cientistas uns aos outros.” C. O’Connor; J. O. Weatherall, The misinformation age: How false beliefs spread, 2019, p. 48.

21. Robert C. Roberts and W. Jay Wood, Intellectual Virtues: An Essay in Regulative Epistemology, Intellectual Virtues, 2007; Jason Baehr, The Inquiring Mind: On Intellectual Virtues and Virtue Epistemology, The Inquiring Mind, 2011.

22. Steven Shapin, The Scientific Life: A Moral History of a Late Modern Vocation, 2010.

23. Robert T. Pennock, An Instinct for Truth: Curiosity and the Moral Character of Science, 2019, p. xxv.

24. Polanyi, 2015.

25. Haack, 2017.

26. “… as ciências formam uma espécie de agrupamento ou família de disciplinas. Pode-se dizer, com certeza, que os campos agora classificados como ciências são todos formas de investigação empírica e descritiva – razão pela qual disciplinas como a matemática pura, a lógica, a ética ou a estética não estão incluídas; e que o seu objetivo é explicar fenômenos naturais e sociais, de modo a que se concentrem principalmente em leis gerais e não em acontecimentos particulares – razão pela qual a história não está incluída. Mas os limites são confusos, mutáveis e frequentemente contestados.” Haack, 2017.

27. Timothy Williamson, The Philosophy of Philosoghy, 2021.

28. Linda Zagzebski, Epistemic Values: Collected Papers in Epistemology, Epistemic Values, 2020.

29. O importante realista crítico Roy Bhaskar argumenta que, mesmo entre as ciências naturais, há uma ampla diversidade metodológica. Cada estrato da realidade requer certa atitude intelectual e metodológica para ser compreendida e estudada. Roy Bhaskar, A realist theory of science, 2008. Como o importante físico quântico John Polkinghorne afirma, “o estudo da ciência encoraja o reconhecimento de que não existe uma epistemologia universal, mas o reconhecimento de que existem entidades que são conhecíveis apenas por meio de modos de investigação que se conformem a sua natureza idiossincrática”. John Polkinghorne, Belief in God in an Age of Science, 1998, p. 108. Ele oferece como exemplo o fato de que o princípio da incerteza de Heisenberg proíbe o grau de clareza de conhecimento a que temos acesso no retrato de mundo fornecido pela física clássica. Isso não torna o mundo quântico incognoscível, mas nos restringe a um encontro velado com a realidade quântica, apenas encontrada em seus próprios termos. 

30.Wissenchaft significa uma prática intelectual autossustentável com seus próprios bens, virtudes e ideais internos e, portanto, sustenta a autoridade e a legitimidade de uma forma de conhecimento disciplinada, especializada e orientada para a universidade”. Reitter e Wellmon 2021, p. 49.

31. Peter Harrison diz: “Todas as culturas científicas assumem que existe uma ordem na natureza. Com o nascimento da ciência moderna no século 17, esta suposição assumiu uma forma bastante distinta: a ideia de que a ordem natural deveria ser entendida em termos de leis da natureza.” Peter Harrison, “Normativity and the Critical Functions of Genealogy: The Case of Modern Science”, Modern Theology, v. 39, n. 4, 2023, p. 698. A noção de “leis naturais”, tão central para as ciências, tem origem e fundamento metafísico. “As ‘leis’ eram imutáveis, raciocinou Descartes, porque Deus era imutável, e a sua universalidade estava igualmente ligada à onipotência de Deus.” Harrison, 2023, p. 698.

32. Stephen Gaukroger, The Failures of Philosophy: A Historical Essay, 2020.

33. Ian F. McNeely and Lisa Wolverton, Reinventing Knowledge: From Alexandria to the Internet, 2009.

34. Antônio Xerxenesky, Uma tristeza infinita, 2021, p. 242-243.

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