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O telescópio James Webb refutou mesmo a teoria do Big Bang? (Parte 2)

Alexandre Fernandes e Roberto Covolan|

20/11/2023

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Alexandre Fernandes e Roberto Covolan

Alexandre possui graduação (UCB), mestrado e doutorado em Física (UnB) com pesquisa em Cosmologia Quântica. Atualmente é professor do ensino básico e superior, além de coordenador de grupos de estudo em Relatividade Geral. Também é líder do Grupo de Estudos em Brasília e do Grupo Temático em Física da ABC².

Roberto é doutor em física, ex-professor da UNICAMP, fez estágio de pós-doutorado na Universidade de Turim (Itália) e foi pesquisador visitante na Universidade Rockefeller (Nova York, EUA) e na Universidade Harvard (Boston, EUA). Criou o Grupo de Neurofísica da UNICAMP. Atuou na criação e gestão do BRAINN: Brazilian Institute of Neuroscience and Neurotechnology. Foi presidente fundador da ABC². Atualmente, é presidente da Academia ABC² e editor da revista UNUS MUNDUS.

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Como citar

Fernandes, Alexandre; Covolan, Roberto. O telescópio James Webb refutou mesmo a teoria do Big Bang? (Parte 2). Unus Mundus, Belo Horizonte, n. 2, jul-dez, 2023.

Considerado em si mesmo, o universo é o que é, este único universo que veio a existir. Mas, considerado do ponto de vista da livre criação de Deus, é apenas um de todos os universos possíveis, uma vez que ele poderia ter sido muito diferente.¹

Introdução: a questão central

A ciência da cosmologia, cujo objetivo geral é compreender a origem e a evolução do universo, conseguiu realizar uma das principais proezas científicas do último século, a construção do modelo cosmológico padrão, designado tecnicamente pela sigla ΛCDM e popularmente conhecido como teoria do Big Bang (sobre isso, veja a primeira parte deste artigo).²

Segundo esse modelo teórico, o agente físico predominante na evolução do universo é a gravitação, que encontrou na teoria da Relatividade Geral, de Albert Einstein, a sua mais precisa formulação. A gravitação é responsável pela expansão do universo, assim como por estabelecer a estrutura cósmica de grande escala. Segundo o ΛCDM, o universo é composto essencialmente de energia escura, matéria escura, matéria normal, neutrinos e fótons, e teve sua origem no Big Bang há cerca de 13,8 bilhões de anos.

Recentemente, algumas imagens obtidas pelo telescópio espacial James Webb (JWST, na sigla em inglês) desencadearam um debate que chegou a ser classificado como a grande crise da cosmologia contemporânea. Alguns foram mais longe e já decretaram o fim da teoria do Big Bang (BB). Para esses, os resultados do JWST foram a pá de cal que faltava para enterrar de vez o BB. Será, então, que o universo é diferente do que a cosmologia conseguiu revelar até agora e o que designamos acima como grande proeza científica não passa de um mero equívoco?

O telescópio espacial James Webb foi desenvolvido e é operado em conjunto pela NASA (agência espacial americana), pela CSA (agência espacial canadense) e pela ESA (agência espacial europeia). Seu custo está na casa dos 10 bilhões de dólares e envolve milhares de cientistas, engenheiros e técnicos de 15 países, pertencentes a centenas de instituições acadêmicas, agências governamentais e empresas de tecnologia.³ Um dos focos de investigação do JWST é o universo primordial.

Como dissemos, a partir dos dados atualmente disponíveis, calcula-se que o universo tenha 13,8 bilhões de anos. Desde o início do universo (ou seja, desde o BB), estima-se que teriam se passado pelo menos 100 milhões de anos até que as primeiras estrelas fossem formadas, algumas centenas de milhões de anos até se formarem as primeiras galáxias e aproximadamente 1 bilhão de anos até que as galáxias se proliferassem pelo cosmos.

O JWST foi projetado para coletar dados desse universo profundo, quando se tinha as primeiras gerações de estrelas e o que se esperava encontrar eram essas galáxias “jovens”. O dado surpreendente, que chocou o mundo da astronomia, é que algumas dessas galáxias “jovens” mostraram-se brilhantes demais. Como a intensidade de brilho das galáxias está correlacionada à sua massa e, portanto, à sua idade, as galáxias observadas pareciam maduras demais para existirem tão pouco tempo após o Big Bang — pouco tempo em termos astronômicos, claro.

Essencialmente, então, o problema é este: foram observadas galáxias brilhantes demais para caber nas previsões da cosmologia do ΛCDM. De maneira figurada, esperava-se encontrar galáxias bebês e foram encontradas galáxias adultas. Juntando essas observações a outras questões em aberto, alguns julgam que há elementos de sobra para se falar na grande crise na cosmologia do Big Bang.

Na primeira parte deste artigo — que pode ser acessada aqui —, apresentamos uma descrição geral do modelo cosmológico padrão ΛCDM e das evidências que o sustentam. Diante da consistência das evidências apresentadas, como entender o problema apontado anteriormente? Nesta segunda e última parte, vamos justamente abordar esse problema: começamos por descrever brevemente a formação das primeiras estrelas e galáxias do universo, apresentamos o JWST e alguns de seus resultados, e, por fim, abordamos a questão enunciada no título.

De maneira figurada, esperava-se encontrar galáxias bebês e foram encontradas galáxias adultas. Juntando essas observações a outras questões em aberto, alguns julgam que há elementos de sobra para se falar na grande crise na cosmologia do Big Bang.

Formação de estrelas e galáxias no universo primordial

A primeira coisa a ser definida aqui é a expressão universo primordial. Evitando entrar em questões muito técnicas e discussões acadêmicas intermináveis, definimos esse período da história do universo como sendo o intervalo de tempo entre 100 milhões e 1 bilhão de anos após o BB. O parâmetro inferior é o do surgimento das primeiras estrelas, que é uma previsão teórica.

A formação de estrelas é uma área da astrofísica estelar em pleno desenvolvimento. Em linhas gerais, para se formar uma estrela, é necessária a aglutinação, por gravidade, de uma grande nuvem de gás e poeira cósmica. À medida que essa nuvem de gás e pó vai se compactando, atinge densidades altíssimas. Em virtude da imensa pressão interna, aumenta também a temperatura, que chega à casa dos 15 milhões de graus celsius.

Considera-se que se trata de uma estrela, efetivamente, quando esse objeto cósmico começa a realizar reações de termofusão nuclear em seu núcleo devido a temperatura e pressão altíssimas. Nessa fase, via reações de fusão nuclear, tem-se a síntese de elementos químicos, partindo dos mais leves até o ferro, e uma imensa produção de energia radiante. Quando se tem uma grande quantidade de estrelas, gás e poeira, tudo isso formando um enorme conglomerado em forte interação gravitacional, ocorre a formação de galáxias.

A literatura sobre modelos de evolução galáctica é bastante vasta. Entender a formação de galáxias é entender a própria evolução do universo. O grande ponto aqui é comparar os modelos de formação estelar galáctica com as observações astronômicas, e esse é um dos objetivos do JWST.

Há um período na história do universo chamado de reionização. Prevê-se que foi nesse período que se deu a formação das primeiras estrelas e galáxias do universo. Contudo, até recentemente, esse período esteve fora do alcance dos telescópios devido à sua enorme distância. O que aconteceu nessa época foi a intensa formação das primeiras estrelas do universo a partir de grandes nuvens de gás. Como a idade da estrela está associada à sua massa — quanto mais massiva a estrela, menor será o seu tempo de vida —, há frequentes mortes de estrelas por eventos de supernova que semeiam o universo para formação de novas gerações de estrelas e das primeiras galáxias.⁴

As primeiras galáxias podem ter composição variada. Em astronomia, tradicionalmente se usa o termo metalicidade para designar a presença de elementos químicos mais pesados do que o hidrogênio e o hélio em estrelas. Os modelos de formação galáctica preveem que, para se ter metalicidade, são necessárias várias gerações de estrelas através do nascimento e morte em eventos de supernovas, por exemplo.

Prevê-se, portanto, que seja baixa a metalicidade das primeiras estrelas que deram origem às primeiras galáxias a partir de uma grande nuvem de gás, pois, em geral, espera-se que esta seja bastante pobre em elementos químicos mais pesados que hidrogênio e hélio. Esse é um dos motivos, dentro da previsão teórica, de observarmos galáxias com baixa metalicidade. Contudo, encontrar galáxias com alta ou baixa metalicidade não é, a priori, uma contradição ou motivo para refutação da teoria do BB. Ao contrário, é uma oportunidade para se entender melhor os modelos de evolução estelar e galáctica.

Tomemos, por exemplo, o seguinte caso: recentemente foram encontradas algumas galáxias que teriam metalicidade menor do que o previsto pela teoria. Considere-se que, até pouco tempo atrás, não tínhamos um telescópio que pudesse fazer registros tão distantes quanto o JWST. O que os pesquisadores concluíram sobre esse caso foi que, para aquela época, as galáxias ainda estavam intimamente ligadas ao meio intergaláctico e sujeitas à contínua entrada de gás puro, o que, efetivamente, diluía a sua abundância de metais.⁵

Portanto, o surgimento de discordâncias preliminares entre observações e previsões não deve ser tomado, de imediato, como motivo para o abandono do modelo teórico em questão. A formação de galáxias é um processo extremamente complexo onde muita coisa pode acontecer. E o cosmos é um laboratório imensurável onde tudo acontece: o que não é fisicamente proibido é mandatório.

Voltemos à constituição do universo primordial. A formação e evolução das primeiras estrelas e galáxias encontra-se em um período de tempo em que o universo possui todos os ingredientes disponíveis para isso. É quando grandes nuvens de gás são atraídas pela força gravitacional, formando, assim, as concentrações de alta densidade que darão origem a objetos cósmicos. Em geral, o que se faz para entender esses processos é simular o BB e colher observações do universo para confrontar como o modelo teórico. A partir desse quadro, uma análise preliminar poderia considerar quatro possibilidades:

  • a teoria do BB está correta, a simulação da formação de estrelas e galáxias também está correta e concordam com as observações astronômicas;
  • a teoria do BB está correta, mas a simulação da formação de estrelas e galáxias não está. Nesse caso, é esperado haver algum problema ao comparar as previsões teóricas com as observações astronômicas. A solução seria reformular a simulação corrigindo as falhas encontradas;
  • a teoria do BB está correta, a simulação da formação de estrelas e galáxias também está, mas não concordam com as observações astronômicas, pois estas são muito imprecisas. Nesse caso, a tomada de dados e posterior análise devem ser refeitas;
  • a teoria do BB está errada porque leva a discordância com as observações astronômicas para a formação de estrelas e galáxias. A solução seria alterar a teoria do BB ou, se as discordâncias forem de grande monta, declará-la inapta e construir outro modelo de forma a abarcar as observações divergentes.
 

Conforme veremos, é justamente na questão da formação de estrelas e galáxias que entra o confronto — e o possível conflito — entre as simulações envolvendo a teoria do BB e as observações astronômicas realizadas pelo telescópio espacial James Webb. À medida que os dados observacionais se tornarem cada vez mais abundantes e de indiscutível confiabilidade, se surgirem discordâncias persistentes entre dados e teoria, será então o caso de entender se o problema está circunscrito aos modelos de formação de estrelas e galáxias ou se o modelo cosmológico ΛCDM é que deve ser abandonado. Sendo este o caso, a questão seguinte será encontrar uma formulação teórica alternativa, robusta o suficiente para dar conta do complexo de informações cosmológicas que hoje são descritas pelo ΛCDM e também abranger os novos dados para os quais o ΛCDM teria falhado.

Dados observacionais do JWST

O JWST é um telescópio espacial que adquire dados através de observação direta. Os fótons, partículas de luz, emitidos pelos objetos que se quer observar, como galáxias, exoplanetas, aglomerados estelares, entre outros, são capturados pelo conjunto de espelhos e transportados para os dispositivos dentro do gabinete que constitui o módulo de instrumentos integrados (ISIM), onde estão os equipamentos científicos (NIRCam, NIRSpec, MIRI, FGS) que constituem o coração do JWST.

Fig. 1 – Concepção artística do JWST em sua posição atual. Créditos: NASA, ESA, CSA, Northrop Grumman. Clique aqui para acessar a imagem original.

Para compreender a natureza de certas questões que surgiram quando os dados observacionais do JWST se tornaram disponíveis, é necessário ter conhecimento de duas técnicas de observação utilizadas: a fotometria e a espectroscopia. Mas, antes de entrarmos nesse assunto, convém também saber como se estimam as distâncias que estrelas e galáxias estão de nós. Essas distâncias são expressas em termos de redshift, ou deslocamento para o vermelho, e são denotadas pela letra z. Vamos entender isso usando nossa experiência cotidiana, a partir de um efeito que ocorre com o som denominado efeito Doppler.

Para compreender a natureza de certas questões que surgiram quando os dados observacionais do JWST se tornaram disponíveis, é necessário ter conhecimento de duas técnicas de observação utilizadas: a fotometria e a espectroscopia.

Redshift. Os sons que ouvimos, em geral, são constituídos de uma mistura de ondas sonoras de diferentes frequências. Se há, por exemplo, um motociclista parado, fazendo funcionar a sua moto, você ouve o ruído característico do motor — imagine que seja uma dessas motos possantes. Agora, considere a seguinte experiência e imagine o que ocorre com o som que você ouve: esse motociclista se aproxima velozmente do ponto em que você está, passa por você e se afasta na mesma velocidade. Recordando-se das vezes em que experienciou uma cena semelhante, provavelmente você se lembrará de uma clara mudança no ruído da moto ao passar por você: antes de chegar ao ponto em que você está, você ouve um som mais agudo;  depois de ter passado, você ouve um som mais grave. Isso pode ser percebido também quando se assiste a corridas de Fórmula 1. Mesmo pela TV, é possível perceber a mudança de tom no ruído dos motores quando os carros passam pelo ponto em que o microfone está situado.

Essa mudança na tonalidade (ou frequência) do som está relacionada ao efeito Doppler: os sons emitidos por um objeto que se aproxima de nós são mais agudos (frequência maior) do que quando o objeto está parado e mais graves (frequência menor) se o objeto se afasta. Estudando esse efeito em diferentes situações e realizando medidas de frequência — que são comparadas com uma frequência de referência — pode-se determinar duas coisas importantes: se o objeto se aproxima ou se afasta e qual a velocidade com que ele se desloca, pois esse efeito é proporcional à velocidade de deslocamento.

Em linhas gerais, tudo isso que foi dito sobre o som vale também para a luz. A situação no caso da luz é consideravelmente mais complexa, mas não é o caso de entrarmos em detalhes técnicos aqui. A figura 2 mostra o redshift z de um aglomerado de galáxias que se afasta de nós.

Fig.2 – Linhas espectrais de absorção no espectro óptico de um superaglomerado de galáxias distantes (painel superior) em comparação com um objeto próximo, o Sol (painel inferior). As setas indicam o redshift, ou seja, o deslocamento para o vermelho das linhas espectrais do objeto que se afasta, o aglomerado de galáxias. O espectro colorido ao fundo serve como referência. Crédito: Georg Wiora.

Relacionando agora o redshift z com a lei de Hubble-Lemaître apresentada na Parte 1 deste artigo, podemos estabelecer a seguinte relação: quanto maior o valor do redshift z, maior a velocidade de recessão de uma galáxia e mais distante ela estará de nós, ou seja, o redshift pode ser entendido também como uma forma de expressar distância.

Um outro ponto é que, quando dirigimos nosso olhar para as estrelas, olhamos para o passado. A luz das estrelas leva um tempo considerável para chegar até nós, portanto, a imagem que vemos delas agora pode ter sido emitida muito, muito tempo atrás. A luz do Sol leva pouco mais de 8 minutos para chegar à Terra. Depois do Sol, a estrela mais próxima de nós é a Alfa Centauri — que, na verdade, é um sistema triplo — e sua luz leva 4,2 anos para chegar até nós. Depois do sistema Alfa Centauri, temos a estrela de Barnard e o sistema de Luhman, que ficam, respectivamente, a 6 e 6,5 anos-luz de distância da Terra. Portanto, quanto mais distante uma estrela está de nós, mais profundamente enxergamos o seu passado.

Fotometria. É uma técnica óptica usada para medir o fluxo ou a intensidade da luz e empregada em várias atividades, como fotografia, por exemplo. Na astronomia, basicamente a fotometria permite observar um objeto cósmico (galáxia, estrela etc) e, por meio de processos físicos, medir a intensidade ou fluxo de luz proveniente dele, o que permitirá estimar várias grandezas, inclusive sua distância e temperatura.

Espectroscopia. A espectroscopia permite um estudo mais aprofundado e bem mais preciso do que a fotometria, incluindo a identificação dos elementos químicos que emitem os fótons captados por meio de seu espectro. A partir desse espectro, é possível determinar o redshift — e, portanto, a distância — do objeto observado com uma precisão muito maior do que pela fotometria. Esta é, portanto, uma informação importante, que vale enfatizar: os redshifts mais confiáveis são provenientes de dados espectroscópicos.

A corrida para descobrir as galáxias mais distantes

O JWST tem uma agenda científica bastante ampla, que inclui a investigação de planetas do sistema solar, exoplanetas, estrelas, nebulosas e galáxias, mas certamente um dos alvos de investigação mais interessantes é o universo primordial: nesse caso, busca-se compreender como estrelas e galáxias se formaram e como evoluíram ao longo do tempo.

São várias as equipes científicas — em geral, colaborações internacionais envolvendo dezenas de pesquisadores — que têm acesso à tomada de dados para posterior análise e publicação dos resultados. Talvez seja um pouco exagerada a expressão, mas a perspectiva de observar o universo profundo desencadeou uma espécie de corrida em busca de bater o recorde de redshift mais alto, isto é, aqueles referentes às galáxias mais distantes.

Para se ter uma ideia, no período inicial do telescópio espacial Hubble — que, aliás, ainda está em operação —, na década de 1990, chegou-se a observações com um redshift z = 4 (cerca de 1,5 bilhões de anos após o Big Bang). Com os aprimoramentos realizados nas décadas seguintes, chegou-se a z = 7 (800 milhões de anos após o BB). O Hubble chegou até a registrar uma galáxia (GN-z11) com um redshift tão alto quanto 11,1 (cerca de 400 milhões de anos pós-BB).⁶ Esta passou então a ser a galáxia mais distante já observada, uma descoberta que parece ter esgotado as possibilidades tecnológicas do Hubble. Já era, porém, esperado que essa caça por galáxias de alto z continuasse com o lançamento do JWST.

Quando o JWST entrou em operação e as primeiras análises começaram a ser realizadas, apareceram, em diferentes regiões do céu, galáxias que aparentavam valores de z tão altos quanto 10, 13 e até 17. Eram apenas os resultados preliminares, mas algumas confirmações não tardariam.

Um dos projetos de tomada de dados do James Webb é chamado JWST Advanced Deep Extragalactic Survey, referido na literatura como JADES. Em maio deste ano, o projeto JADES reportou dados que confirmam o achado do Hubble de 2016 sobre a GN-z11: a análise dele resultou em z = 10,6.⁷ Um pouco antes, essa mesma colaboração havia publicado na revista Nature a descoberta de galáxias ainda mais distantes, a JADES-GS-z13-0 e a  JADES-GS-z12-0, com redshifts confirmados por espectroscopia de z = 13.20 e z = 12.63, respectivamente — adiante, veremos mais sobre essas descobertas.

Há poucos dias, foi publicada mais uma nova descoberta a partir dos dados obtidos pelo JWST. A colaboração UNCOVER publicou as observações de duas galáxias, uma delas referida como uma “robusta detecção” de z = 12,393 e outra, qualificada como “candidata plausível” de z = 13,079.⁸ Portanto, até o momento, a galáxia mais distante da qual se tem confirmação é a JADES-GS-z13-0, mencionada anteriormente.

Esse breve relato torna evidente que as novidades estão se sucedendo muito rapidamente: novas informações do JWST chegam a cada dia. Certamente, será necessário algum tempo até que se chegue a um quadro mais estável do que realmente está sendo revelado por essa profusão de dados. Um aspecto importante é que haja tempo para que essas informações todas sejam confirmadas ao mais alto nível de confiabilidade. 

O problema das galáxias que aparentam estar longe

Essa busca pelas galáxias mais distantes — e, portanto, mais próximas no tempo do Big Bang — sofreu recentemente um grande revés. Foi o que aconteceu com a galáxia CEERS-93316: por meio de uma análise inicial realizada com fotometria, ela foi registrada em uma posição muito próxima do nascimento do universo. A publicação reportou a observação de 6 galáxias com z ≥ 12, sendo que uma delas apresentava um redshift recorde de z = 16,4, considerado “aparentemente robusto”.⁹

Posteriormente, parte dessas galáxias foi reanalisada por meio de espectroscopia. Em um estudo publicado há pouco mais de três meses na revista Nature, duas delas confirmaram o valor alto de redshift (11,42 e 11,04), mas a CEERS-93316, que havia sido considerada candidata a recorde (z = 16,4), teve seu redshift corrigido para z = 4,9.¹⁰ Ao final desse trabalho, os autores lançaram a seguinte advertência:

O exemplo do CEERS-93316 é um lembrete de que a prevalência de linhas de emissão nebulares muito fortes em galáxias primordiais pode influenciar a fotometria de banda larga com instrumentos como o JWST/NIRCam e imitar as cores previstas para objetos muito mais distantes. Candidatos excepcionais para galáxias com redshifts extremos requerem confirmação espectroscópica.¹¹

No mesmo estudo, os pesquisadores destacam que os métodos para se calcular o redshift por fotometria são robustos, mas “podem sofrer degenerescências e ocasionalmente erros catastróficos”. Certamente foi o caso da CEERS-93316, e isso deveria servir de alerta contra os que se apressam em tirar conclusões definitivas de galáxias que ainda estão sendo investigadas e demandam formas mais confiáveis de quantificar suas propriedades físicas.

Descobertas recentes que colocam o Big Bang em questão

Uma descoberta importante do JWST, realizada no final de 2022 e publicada na revista Nature em fevereiro de 2023, causou grande alvoroço. Um estudo realizado com as primeiras observações do projeto CEERS encontrou 13 galáxias com características especiais, sendo que seis delas chamaram particularmente a atenção. Eram galáxias de massa elevada, cerca de 10 bilhões de massas solares e com redshift calculado por fotometria relativamente alto — entre 7,4 e 9,1 — ou seja, situando-se entre 500 e 700 milhões de anos após o Big Bang.¹² Como essas estimativas foram feitas por fotometria, sabe-se que confirmação por outras técnicas é necessária. No próprio artigo que traz esses resultados, enfatiza-se a necessidade de verificação por espectroscopia.

Análises preliminares consideraram que essas seis galáxias não deveriam ter massa tão grande para uma época assim tão próxima do BB, desafiando as previsões teóricas do modelo cosmológico padrão ΛCDM. Em um estudo mais abrangente incluindo esses dados, Boylan-Kolchin, mostrou que galáxias candidatas a serem super-massivas nas observações do JWST e que situam-se em z = 7-10 estão no limite das restrições teóricas, exigindo altíssima eficiência — nunca antes observada — na conversão de gás em estrelas. Isso colocaria uma importante questão não resolvida dentro da cosmologia padrão com respeito à formação de galáxias no universo primordial.¹³

Fig. 3 – Imagens obtidas pelo telescópio espacial James Webb de seis galáxias brilhantes, vermelhas e extremamente distantes, que parecem massivas demais para existir na época em que estariam localizadas. Crédito: Ivo Labbé et al., 2023.

Será que a observação dessas galáxias e de outras semelhantes são suficientes para refutar a teoria do Big Bang?

Novos estudos observacionais de dados do JWST publicados pela Nature Astronomy em abril deste ano apresentaram análises bem mais precisas, que focalizaram em quatro galáxias situadas a alto z (entre 10,3 e 13,2) e cujos dados foram obtidos pelo programa JADES. Um desses estudos valeu-se de técnicas de fotometria,¹⁴ enquanto o outro fez uso da análise espectroscópica.¹⁵ Ambos os estudos obtiveram valores de z compatíveis entre si, sendo que os dados da análise espectroscópica resultaram significativamente mais precisos — conforme esperado. Além disso, a análise espectroscópica revelou que essas galáxias primitivas são de baixa metalicidade, têm massas da ordem de 10 a 100 milhões de massas solares e são jovens, como se esperaria, de acordo com ΛCDM, de galáxias formadas no universo primordial.

No campo teórico, a alegada incompatibilidade da existência das seis galáxias observadas pelo programa CEERS com o que prevê o ΛCDM foi colocada em questão por vários autores. Estudos muito recentes realizados com simulações de alta resolução, especialmente configuradas para modelar a formação de galáxias no início do universo, “fornecem evidências convincentes de excelente concordância entre os resultados de JADES e CEERS e o modelo ΛCDM”.¹⁶

Outro trabalho, realizado pelo projeto FIRE (Feedback in Realistic Environments) e publicado há pouco mais de um mês no Astrophysical Journal Letters, encontrou uma explicação para o fato de certas galáxias jovens parecerem brilhantes demais — assemelhando-se assim a galáxias massivas maduras — no mecanismo de formação de estrelas em burts, ou seja, na forma de eclosões.¹⁷ Em galáxias massivas como a Via Láctea, as estrelas formam-se a um ritmo constante, com o número de estrelas aumentando gradualmente ao longo do tempo. Mas a chamada formação estelar em bursts ocorre quando as estrelas se formam num padrão alternado: em dado período, muitas estrelas se formam ao mesmo tempo, para então passar milhões de anos com poucas estrelas novas, até que se dê um novo burst de formação estelar.

Fig. 4 – Representação artística de uma galáxia que inclui fortes eclosões de formação estelar, usando dados da simulação FIRE. Crédito: Aaron M. Geller, Northwestern, CIERA + IT-RCDS.

Estudos muito recentes realizados com simulações de alta resolução, especialmente configuradas para modelar a formação de galáxias no início do universo, “fornecem evidências convincentes de excelente concordância entre os resultados de JADES e CEERS e o modelo ΛCDM”.

Fazendo uso de simulações que incluem esse mecanismo, foi possível reproduzir a mesma abundância de galáxias brilhantes que a revelada pelas observações do JWST. Ou seja, o número de galáxias brilhantes previstas pelas simulações corresponderam ao número de galáxias brilhantes observadas, sem a necessidade de se introduzir modificações no modelo cosmológico padrão ΛCDM.¹⁸

Conclusão: expectativas quanto ao JWST e ao ΛCDM

O JWST foi lançado no Natal de 2021 e tem menos de dois anos de operação plena. A primeira imagem obtida por fotometria e que tem causado tanto debate entre os pesquisadores tem menos de um ano e meio. Como já vimos, os projetos de pesquisa do JWST são diversos: análises dos planetas do sistema solar, análises de atmosferas de exoplanetas já descobertos, estudo de nebulosas e outras regiões da nossa galáxia, a Via Láctea, investigação de outras galáxias no universo próximo (distantes de nós em até 1 bilhão de anos-luz), análises de estrelas e galáxias no início do universo, dentre outros. Portanto, o JWST tem uma versatilidade muito grande.

No tocante à cosmologia do universo primordial, muita coisa é demandada do JWST. Para começar, decifrar o quebra-cabeças de como as estrelas nasceram no início do universo. O JWST deve ajudar a montar toda a estrutura teórica da evolução estelar primordial. O caminho deve ser tanto investigar diretamente o universo primordial — assunto que abordamos prioritariamente aqui — quanto estudar a evolução estelar dentro da nossa galáxia.

Como vimos, o estudo das estrelas primordiais está diretamente relacionado ao da formação das primeiras galáxias. Ainda não há uma teoria completa de formação de galáxias. Outro tema que se espera entender com o JWST é a questão da metalicidade das galáxias. Há algumas “teorias” que têm propagado a ideia errônea de que o universo é jovem porque teriam sido encontradas galáxias com alta metalicidade no universo primordial. A “ginástica teórica” que esses modelos fazem é apontar para o conceito de que essas galáxias (e o universo) nasceram “prontos, maduros”. O ΛCDM pode abarcar teorias de evolução galácticas com alta metalicidade, mas é necessário termos as evidências observacionais para tanto, bem como para fazer o devido descarte dessas “teorias de galáxias maduras” que já nasceram prontas.

Conforme o leitor pôde constatar pelo quadro delineado neste artigo, as pesquisas com o JWST estão apenas começando. Enquanto escrevemos este artigo, estão sendo veiculadas as primeiras imagens de outro telescópio espacial, o Euclid, gerido pela ESA (agência espacial europeia) e colocado em órbita há poucos meses.

O ΛCDM pode abarcar teorias de evolução galácticas com alta metalicidade, mas é necessário termos as evidências observacionais para tanto, bem como para fazer o devido descarte dessas “teorias de galáxias maduras” que já nasceram prontas.

Fig. 5 – Representação artística do telescópio espacial Euclid, que foi concebido para investigar questões fundamentais, como o que são a matéria escura e a energia escura. Crédito: ESA (European Space Agency)

Em breve, quando dados observacionais do telescópio espacial Euclid começarem a ser disponibilizados, teremos outra fonte de informações cosmológicas. É esperado que o quadro que temos a respeito da evolução do universo seja significativamente alterado. Mas isso significará dizer que o ΛCDM foi refutado?

Há poucos meses, o jornal The New York Times publicou um artigo de opinião cujo título, em tradução livre, é A história do nosso universo pode estar começando a se desvendar.¹⁹ Os autores — Adam Frank, astrofísico da Universidade de Rochester, e Marcelo Gleiser, físico teórico brasileiro do Dartmouth College — partem da afirmativa de que o JWST “descobriu a existência de galáxias totalmente formadas muito antes do que deveria ter sido possível de acordo com o chamado modelo padrão da cosmologia” para, então, apontar outras “inconsistências alarmantes” do modelo.

A certa altura, consideram que:

Podemos estar num ponto em que necessitamos de um afastamento radical do modelo [cosmológico] padrão, que pode até exigir que mudemos a forma como pensamos os componentes elementares do universo, possivelmente até mesmo a natureza do espaço e do tempo.²⁰

Do nosso ponto de vista, eles estão certos ao apontar que há elementos fundamentais em aberto no ΛCDM, como a inflação cósmica, quando o universo primordial teria se expandido exponencialmente em uma fração de segundo, ou a existência de matéria escura e energia escura, das quais se sabe da existência sem que se possa dizer ainda do que é que consistem.

Contudo, não podemos esquecer do seguinte: qualquer nova teoria que seja proposta para substituir o modelo cosmológico padrão (ou, se preferirem, a teoria do Big Bang) terá de dar conta dos seguintes fatos:

  • a expansão do universo conforme é observada;
  • a abundância de elementos químicos leves (criados pela fusão nuclear nos estágios iniciais do Big Bang, antes da formação de qualquer estrela);
  • a radiação cósmica de fundo que permeia todo o universo; e
  • a estrutura em grande escala do universo, em forma de teia, incluindo como as galáxias se formam e se aglomeram.
 

Faz parte do folclore da física atribuir ao famoso físico russo Lev Landau a seguinte frase: “Os cosmólogos frequentemente estão errados, mas raramente em dúvida”. A cosmologia amadureceu significativamente enquanto ciência desde a época de Landau. Se o modelo cosmológico padrão ΛCDM vier a ser aposentado, será para dar lugar a um arcabouço teórico ainda mais sofisticado e mais abrangente, nunca para retroagir ao que presume certo literalismo bíblico de que o universo foi criado pronto.

Pelo que a ciência nos tem revelado até aqui de forma muito concreta, Deus é muito mais sofisticado e sutil em sua criação do que podemos conceber. Como o salmista, podemos dizer: “Ele conta o número das estrelas, e chama cada uma por seu nome. Nosso Senhor é grande e onipotente, e sua inteligência é incalculável” (Salmos 147:4,5).

Os conteúdos das publicações da revista digital Unus Mundus são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem, necessariamente, a visão da Academia ABC².

1. Thomas Torrance, Divine and Contingent Order, 1981, p. 22.

2. Embora, a rigor, modelo cosmológico padrão, ΛCDM e teoria do Big Bang não sejam exatamente a mesma coisa, neste artigo, usaremos essas expressões intercambiavelmente como se referindo ao mesmo arcabouço teórico.

3. Talvez alguns se impressionem ao constatar a dimensão do esforço humano e dos recursos financeiros aplicados em um empreendimento científico que aparentemente visa apenas observar o céu. Contudo, pelo menos desde que o projeto Apolo colocou os americanos na superfície da Lua, sabe-se que basta dar tempo ao tempo e, dentre outros benefícios, big science se traduz inevitavelmente em big business.

4. Pratika Dayal e Andrea Ferrara, “Early galaxy formation and its large-scale effects”, Physics Reports, 2018.

5. Kasper E. Heintz et al., “Dilution of chemical enrichment in galaxies 600 Myr after the Big Bang”, Nature Astronomy, 2023.

6. P. A. Oesch et al., “A Remarkably Luminous Galaxy at z=11.1 Measured with Hubble Space Telescope Grism Spectroscopy”, The Astrophysical Journal, v. 819, 2016.

7. Andrew J. Bunker et al., “JADES NIRSpec Spectroscopy of GN-z11: Lyman-alpha emission and possible enhanced nitrogen abundance in a z= 10.60 luminous galaxy”, Astronomy & Astrophysics,v. 677, A88, 2023.

8. Bingjie Wang et al., “UNCOVER: Illuminating the Early Universe – JWST/NIRSpec Confirmation of z > 12 Galaxies”, The Astrophysical Journal Letters, v. 957, 2023.

9. C. T. Donnan et al., “The evolution of the galaxy UV luminosity function at redshifts z = 8 – 15 from deep JWST and ground based near-infrared imaging”, Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, v. 518, n. 4, February 2023.

10. Pablo Arrabal Haro et al., “Confirmation and refutation of very luminous galaxies in the early universe”, Nature 622, pp. 707-711, 2023.

11. Ibidem.

12. Ivo Labbé et al., “A population of red candidate massive galaxies ~600 Myr after the Big Bang”, Nature 616, pp. 266-269, 2023.

13. Michael Boylan-Kolchin, “Stress testing ΛCDM with high-redshift galaxy candidates”, Nature Astronomy 7, pp. 731-735, 2023.

14. B. E. Robertson et al., “Identification and properties of intense star-forming galaxies at redshifts z > 10”, Nature Astronomy 7, pp. 611-621, 2023.

15. Emma Curtis-Lake et al., “Spectroscopic confirmation of four metal-poor galaxies at z = 10.3-13.2”, Nature Astronomy 7, pp. 622-632, 2023.

16. Joe McCaffrey et al., “No Tension: JWST Galaxies at z > 10 Consistent with Cosmological Simulations”, The Open Journal of Astrophysics – Astrophysics of Galaxies, v. 6, September 27, 2023.

17. Guochao Sun et al., “Bursty Star Formation Naturally Explains the Abundance of Bright Galaxies at Cosmic Dawn”, The Astrophysical Journal Letters, v. 955, October 2023.

18. Ibidem.

19. Adam Frank e Marcelo Gleiser, “The Story of Our Universe May Be Starting to Unravel”, The New York Times, September 2, 2023.

20. Ibidem.

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