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Roberto Covolan

Einstein, o teólogo disfarçado

28/04/2023

Einstein costumava falar sobre Deus com tanta frequência que quase suspeito que ele fosse um teólogo disfarçado.¹

Na minha última coluna, a primeira publicada aqui na Unus Mundus, tentei persuadir os prezados leitores de que “a ciência, vista pelos olhos da fé, é teologia natural involuntária”, deixando claro que, no mais das vezes, quem faz ciência — ao fazê-lo — não cogita intencionalmente de nada referente a qualquer divindade. Portanto, a “componente teológica” que possa eventualmente emergir do fazer científico, em geral, não decorre dos pressupostos ou das pretensões do pesquisador ou cientista, mas sim do objeto da investigação, do que é revelado sobre ele — nas ciências naturais, da criação de Deus. 

Em vários aspectos, a trajetória científica de Einstein, bem como suas ruminações filosóficas, ajudam a entender o ponto que estou tentando propor. Passados mais de cem anos da publicação da sua teoria da Relatividade Geral, esta continua sendo comprovada pelos mais sofisticados experimentos, como foi o caso da recente detecção de ondas gravitacionais (2015). Além disso, ela constitui o arcabouço teórico fundamental sobre o qual se construiu e se sustenta o modelo cosmológico padrão, popularmente conhecido como teoria do Big Bang.

A emergência e consolidação científica da teoria do Big Bang foi acompanhada historicamente de uma espécie de batalha teológica, que se deu em paralelo. Vários cientistas importantes sentiram-se impelidos não só pela sua visão científica, mas também pelo ateísmo militante, a investir contra a teoria do Big Bang. Esta expressão, aliás, foi criada por um deles — Fred Hoyle — para ridicularizá-la, pois a teoria parecia claramente indicar que o universo tivera um início, dando força no plano teológico à ideia de criação. É preciso reconhecer que nisto estavam certos: desde então a teoria do Big Bang tem acumulado evidências científicas favoráveis e, na mesma medida, atraído a atenção e o labor de teólogos amplamente reconhecidos. O próprio papa Pio XII (1876 — 1958), contemporâneo de Einstein, chegou a sugerir que a cosmologia moderna poderia fornecer a prova científica definitiva da existência do Deus criador — sobre este episódio, leia um excelente artigo aqui na Unus Mundus. 

É preciso reconhecer que nisto estavam certos: desde então a teoria do Big Bang tem acumulado evidências científicas favoráveis e, na mesma medida, atraído a atenção e o labor de teólogos amplamente reconhecidos.

Temos assim, nos trabalhos de Einstein, tipificado um caso de teologia natural involuntária: a teoria científica serve de inspiração para a elaboração teológica não pelos pressupostos e propósitos de seu autor — frequentemente, a despeito deles —, mas em função do objeto da investigação, neste caso, a origem e evolução do próprio universo. Ao se investigar cientificamente o que Deus criou, junto com o conhecimento novo, descortina-se um horizonte de cognição apontando para a transcendência que os métodos da ciência não estão aptos a ultrapassar — e não se trata de ignorância provisória. A partir daí começa o labor teológico. Como disse o físico e teólogo John Polkinghorne: “A ciência não pode dizer à teologia como construir uma doutrina da criação, mas não se pode construir uma doutrina da criação sem levar em conta a idade do universo e o caráter evolutivo da história cósmica”.²

Curiosamente, o próprio Einstein encarou inicialmente com ceticismo o fato de sua teoria revelar a expansão do universo e, em pelo menos uma ocasião, apresentou as suas objeções acompanhadas da observação de que, se assim fosse, a teoria poderia sugerir a criação, dando a entender que para ele isso era um problema. 

Como se sabe, o físico e cosmólogo belga Georges Lemaître, que além de cientista era padre, é considerado o pai da teoria do Big Bang. Quando Lemaître mostrou para Einstein que as suas equações implicavam em um universo em expansão, este logo repeliu a ideia: “Seus cálculos estão corretos, mas sua física é abominável”.³ Em outra ocasião, quando Lemaître lhe falou de sua ideia de expansão do universo a partir de um “átomo primordial”, Einstein replicou: “Não, isso não, isso sugere muito a criação”.⁴ Mais tarde, com os dados e observações do grupo de Edwin Hubble mostrando a recessão das galáxias, Einstein foi convencido e reconheceu que estava enganado e que, de fato, o universo se expandia conforme sua teoria previa.

Ao se investigar cientificamente o que Deus criou, junto com o conhecimento novo, descortina-se um horizonte de cognição apontando para a transcendência que os métodos da ciência não estão aptos a ultrapassar — e não se trata de ignorância provisória. A partir daí começa o labor teológico.

Nesse episódio, vemos que Einstein procurou resguardar seu trabalho científico de qualquer conexão teológica. Mas o que ele pensava acerca da religião? Por que o dramaturgo suíço Friedrich Dürrenmatt fez menção de que ele parecia ser um “teólogo disfarçado”? 

Não me parece certo que, puxando a brasa para a sua sardinha, alguém queira se valer de coisas ditas ou escritas por Einstein para defender o ateísmo ou a crença em Deus. À parte um breve período de devoção religiosa na infância, é bastante patente o seu distanciamento de qualquer forma de religião organizada ao longo de toda a vida. Walter Isaacson registra o testemunho de sua irmã sobre este curto período de religiosidade exacerbada:

Ele não comia carne de porco, mantinha as leis dietéticas kosher e obedecia às restrições do Sabbath, algo bastante difícil de se fazer quando o resto de sua família tinha uma falta de interesse por tais práticas que beirava o desdém. Ele até compôs seus próprios hinos para a glorificação de Deus, que cantava para si mesmo enquanto voltava da escola para casa.⁵

Porém, o zelo infantil de Einstein pela religião judaica foi tão ardente quanto efêmero: aparentemente tratou-se mais de uma manifestação de rebeldia contra a indiferença dos pais quanto às práticas religiosas judaicas do que convicções fortemente enraizadas.

No entanto, para Einstein, o distanciamento da religião institucional jamais significou ateísmo como muitos tentaram (e tentam) fazer parecer — mais recentemente, o biólogo britânico Richard Dawkins. Segundo o físico e filósofo israelense Max Jammer, Einstein sempre protestou contra ser considerado ateu. Em uma conversa, chegou a dizer: “O que realmente me deixa com raiva é que eles (pessoas que dizem que Deus não existe) me citam para apoiar seus pontos de vista”. Ele fazia questão de distinguir enfaticamente a sua maneira de pensar acerca de Deus do ateísmo. É certo que ele não acreditava em um Deus pessoal, mas isso não significava negar a Deus. Segundo Jammer, “essa distinção sutil, mas decisiva, tem sido ignorada há muito tempo”.⁶ 

Não obstante sua reserva e frieza quando o assunto era a religiosidade formal, segundo muitos autores, sua visão de Deus desempenhou um papel importante em sua vida emocional e intelectual. Na verdade, esse era um tema do qual ele não só não fugia, como fazia questão de ser preciso sobre o que pensava. Certa vez, escreveu:

Não consigo conceber um Deus pessoal que influenciaria diretamente as ações dos indivíduos ou julgaria as criaturas de sua própria criação. Minha religiosidade consiste numa humilde admiração do espírito infinitamente superior que se revela no pouco que podemos compreender sobre o mundo cognoscível. Essa convicção profundamente emocional da presença de uma inteligência superior, que se revela no universo incompreensível, forma minha ideia de Deus.⁷

Em outra ocasião, perguntado em um jantar se era uma pessoa religiosa, para espanto de alguns convidados mais céticos, respondeu que sim: 

Experimente e penetre com nossos meios limitados os segredos da natureza e você descobrirá que, por trás de todas as leis e conexões discerníveis, permanece algo sutil, intangível e inexplicável. A veneração por essa força além de qualquer coisa que possamos compreender é minha religião. Nesse sentido, sou, de fato, religioso.⁸

Nos pensamentos expressos acima, temos a visão de Einstein sobre Deus que parece ter-se mostrado mais duradoura ao longo de sua vida. Em várias oportunidades, Einstein manifestou simpatia pelo pensamento do filósofo holandês Baruch Spinoza (1632-1677), pela ideia de um Deus que fosse fonte da harmonia observada na natureza através dos padrões e regularidades caracterizados pelas leis naturais. Essa propensão filosófica, acompanhada de múltiplas manifestações de admiração e reverência pela força impessoal e inteligência suprema que seria a origem da ordem universal, provavelmente o coloca próximo de alguma forma de deísmo. Registre-se, porém, que Einstein sempre fez questão de distinguir sua visão de um mero panteísmo. 

E como Einstein via o cristianismo?

Já maduro, após os 50 anos de idade, revelou uma afinidade surpreendente com a pessoa de Jesus. Em uma entrevista,⁹ declarou: “Quando criança, fui instruído tanto na Bíblia quanto no Talmude. Sou judeu, mas fico encantado com a figura luminosa do Nazareno”. Perguntado se aceitava a existência histórica de Jesus, ele respondeu: “Inquestionavelmente! Ninguém pode ler os Evangelhos sem sentir a presença real de Jesus. Sua personalidade pulsa em cada palavra. Nenhum mito é tão pleno de vida”. 

Em conclusão, creio que podemos acompanhar Alister McGrath e compreender que se pode “estabelecer uma ponte intelectual entre a ideia de Einstein de uma ‘mente superior’ que é desvelada na ordem do universo e pela ordem do universo e a visão especificamente cristã de Deus”.¹⁰ 

O roteiro para esta compreensão está calcado no discernimento de que há um logos (razão) implantado no coração da criação, sendo manifesto nas leis naturais e no telos do universo. A lógica da natureza revela o caráter logóico da criação, pois este logos (razão) procede do Logos divino, está submetido a Ele e para Ele converge (Efésios 1:10).

O roteiro para esta compreensão está calcado no discernimento de que há um logos (razão) implantado no coração da criação, sendo manifesto nas leis naturais e no telos do universo.

Com este discernimento, podemos mais uma vez acompanhar McGrath, e dizer que “Einstein é aqui o ponto de partida de uma jornada que conduz de uma ordem impessoal transcendente à ideia cristã de um Deus pessoal, revelada tanto pela ordem criada quanto, especialmente, em Cristo e por Cristo”.¹¹

 

Os conteúdos das publicações da revista digital Unus Mundus são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem, necessariamente, a visão da Academia ABC².

1. Friedrich Dürrenmatt, Albert Einstein, 1979, p.12.

2. John Polkinghorne, Cross Currents, 48 (1), 1998, pp. 3-14. 

3. John Farrell, The Day without yesterday, 2005, p. 10.

4. Ibidem, p. 100.

5. Walter Isaacson, Einstein: His Life and Universe, 2007, p. 16.

6. Max Jammer, Einstein and Religion, 1999, p. 150.

7. Isaacson, p. 388.

8. Ibidem, p. 384-5.

9. Ibidem, p. 386.

10. Alister McGrath, Uma teoria de tudo (o que importa), 2021, p. 161.

11. Ibidem, pp. 161-2.

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