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Holy Resistance*

O posicionamento cristão diante das relações dos jogos digitais versus religião

Samilla B. Rezende |

13/07/2023

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Samilla B. Rezende

Analista de Sistemas e Bióloga, Mestre em Biotecnologia pela UCDB. Integrante do grupo de estudos da ABC² em Campo Grande/MS.

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Como citar

REZENDE, Samilla B. Holy Resistance: o posicionamento cristão diante das relações dos jogos digitais versus religião. Unus Mundus, Belo Horizonte, n. 2, jul-dez, 2023.

Introdução

Os primeiros computadores apareceram como “máquinas” de computação mecânica rudimentares, desenvolvidas por Charles Babbage e outros pioneiros na última metade do século 19.¹ Ada Lovelace, uma cientista matemática, foi a primeira pessoa a criar um algoritmo processado em uma máquina mecânica.² A ascensão da era computacional ocorreu logo após a Segunda Guerra Mundial, exatamente por causa dela; houve também grande influência de Alan Turing,³ que formalizou conceitos de algoritmo e computação, acelerando o desenvolvimento aprimorado da ciência da computação. Em seguida, adveio a corrida pelo aumento de máquinas que pudessem gerar respostas calculadas de forma rápida e eficiente, o que se deu por meio de gigantes corporativas como a IBM. A criação das linguagens de programação⁴ proporcionou maior utilização para os usuários ao viabilizar uma interface mais amigável e também permitiu a automatização e digitalização de processos.

Em meados dos anos 1950, foram desenvolvidos os primeiros protótipos daquilo que viriam a se transformar em consoles; estes começaram a ser lançados e estudados principalmente por engenheiros elétricos e da computação, processo este que culminou no desenvolvimento do primeiro computador jogável, o Nimrod (1951), contendo o jogo Nim.⁵ A evolução dos computadores acontecia de forma dinâmica e rápida, e o mesmo ocorria com os consoles e videogames a ponto de gerar tendência especialmente durante os anos 1980, quando as grandes corporações estavam em uma corrida tecnológica e de entretenimento com vistas a arraigar mais jogadores e clientes, gerando, assim, uma subcultura comandada pelos arcades e grandes centros de jogos. À medida que novos gráficos e mecanismos para aumentar a jogabilidade se desenvolviam, os consoles se tornavam cada vez mais aprimorados. Essa ascensão tecnológica também mudou o cotidiano das pessoas e, consequentemente, a forma como enxergavam o mundo e suas interações, formalizando uma nova cosmovisão.

Essa ascensão tecnológica também mudou o cotidiano das pessoas e, consequentemente, a forma como enxergavam o mundo e suas interações, formalizando uma nova cosmovisão.

Uma dessas alterações ocorreu pelo modo como as pessoas praticavam atividades físicas e lazer. Após a integração de consoles e jogos digitais no cotidiano, muitas dessas atividades puderam ser mimetizadas em jogos ou substituídas por uma aventura digital. Com o aprimoramento das narrativas, e por intermédio da imersão e interatividade, o jogador se “sente como” o protagonista da trama.⁶ A criação de dispositivos para interações cada vez maiores, como o VR (Virtual Reality), que proporcionam uma aventura em realidade virtual por meio da utilização de óculos 3D, é um grande avanço tecnológico adquirido pela indústria dos jogos e entretenimento, aumentando, assim, cada vez mais a adesão à vida virtual.

Mas os videogames também podem ser utilizados de formas mais focadas e objetivas, como na recuperação de pacientes, no ensino de ciências e em treinamentos (militares ou não). Todavia, como a tecnologia é essencialmente amoral, algo à parte de valores, é um instrumento que pode ser usado para o bem ou para o mal.⁷ Outra alteração cultural bem percebida são as relações interpessoais, que foram prejudicadas com a substituição da vida real pela virtual. Com isso, era digital, mundo virtual e sociedade internáutica são alguns dos diversos termos que vêm se incorporando ao nosso cotidiano e à nossa linguagem, a fim de definir um espaço sem fronteiras no qual impera o “imediato” e multiplicam-se as possibilidades.⁸ As novas tecnologias da comunicação e da informação surgiram e proliferaram de forma tão veloz que carecemos de tempo para absorvê-las, digeri-las e dominá-las.⁹ Diante disso, as cosmovisões de diversas culturas sofreram alterações, trazendo implicações até mesmo para a prática da fé.

A cosmovisão cristã também ficou à mercê de toda essa transformação na sociedade, e alguns ministérios chegaram a adotar posicionamentos radicais para proibir a utilização e o consumo de qualquer tipo de entretenimento. Essa rivalidade entre jogos e religião é contestada por teóricos de jogo. Dentre eles, Wagner  afirma: “o erro que as pessoas tendem a cometer ao pensar em jogos e religião é assumir como principal oposição a ideia de que a religião é séria, ao passo que os jogos são divertidos”.¹⁰ A demonização dos jogos aconteceu antes do afloramento tecnológico, realizada por diversos teólogos no período da escolástica, que delinearam uma “cruzada ideológica” contra as práticas lúdicas condenadas por sua suposta conexão com a imoralidade e centralidade “degenerada” e cultura pagã.¹¹ Essa polarização afastou por muito tempo os cristãos de usufruírem de videogames e de suas narrativas, bem como de participar do desenvolvimento de jogos e histórias. As discussões quanto a essa temática se iniciaram apenas na primeira década do século XXI, no encontro anual da American Academy of Religion. Em 2007, em um painel chamado “Born Digital and Born Again Digital: Religion in Virtual Gaming Worlds”, pesquisadores apresentaram um trabalho sobre a problemática do aparecimento de narrativas violentas em games religiosos e o nascimento da indústria de jogos cristãos.¹²

Todavia, como a tecnologia é essencialmente amoral, algo à parte de valores, é um instrumento que pode ser usado para o bem ou para o mal.

A partir disso, a comunidade cristã busca entender essa relação entre os videogames e suas narrativas, que estão cada vez mais apelativas, uma vez que a religião dentro do videogame tende a sofrer de uma incongruência processual da narrativa.¹³ Dessa forma, é necessário o questionamento e estudo nessa área, a fim de entender o propósito, e também buscar alternativas para conciliar o consumo desse entretenimento sem que haja o abalo da cosmovisão e da prática da fé cristã, uma vez que a tecnologia e o seu desenvolvimento, bem como videogames, são produtos da cultura, i. e., “o que os seres humanos fazem do mundo”.¹⁴ Dessa forma, se quisermos que nossas criações sejam verdadeiras, belas e boas, precisamos cuidar de nossos corações.¹⁵ Essa é uma resposta a Deus e deve ser conduzida com responsabilidade e obediência à vontade dele,¹⁶ para que não venhamos a correr o risco de as ferramentas que criamos e moldamos venham a nos moldar¹⁷ e gerar falsos ídolos e glória para nós mesmos; antes, que tudo seja submetido e glorificado em Deus.

Jogos digitais versus religião no decorrer dos anos 

Em uma tentativa de se desvincular do pecado, as comunidades gentílicas primitivas tentaram estabelecer um estilo de vida ascético, rompendo em grande parte com os costumes populares e refreando diversos prazeres, inclusive o de jogar.¹⁸ Especialmente na Idade Média, criou-se a ideia de que os jogos eram exclusividades de pessoas que cultuavam deuses pagãos, apesar de Agostinho ter reconhecido o valor de algumas práticas lúdicas na educação cívica, como comédias e tragédias.¹⁹ Muitos torneios e jogos foram proibidos pela igreja, que comumente utilizava as práticas lúdicas com propósito de edificação religiosa.²⁰

No período da Reforma e da Contrarreforma, as práticas lúdicas e os exercícios de lazer que, de alguma forma, eram associados à luxúria, lascívia, narcisismo e ao hedonismo foram condenadas. A moralidade, o prazer e o trabalho, à luz do ethos protestante identificado por Max Weber, tornaram-se centrais para o juízo cristão que se fazia do lúdico.²¹ Dessa forma, jogos de cartas, dados, entre outros eram classificados como perda de tempo pela cultura conservadora. Infelizmente tal postura se propagou por muito tempo.

Atualmente, os jogos mais consumidos são proporcionados pelos consoles e videogames, no entanto, a relação conflituosa entre jogos e religião muitas vezes tida como antagônica permanece em muitas comunidades cristãs, onde se propagam também a aversão às inovações tecnológicas,²² mesmo que a responsabilidade do desenrolar da tecnologia seja da humanidade.²³ Tanto a prática do entretenimento quanto o seu desenvolvimento tecnológico são atividades culturais, as quais os seres humanos exercem com liberdade e responsabilidade para com Deus, formando e transformando a criação natural com a ajuda de ferramentas e procedimentos para fins e propósitos práticos.²⁴

Estudar jogos digitais e videogames não é um fim em si mesmo, mas uma forma de revelar o significado da religião na sociedade contemporânea como um todo.²⁵ Nesse contexto, um dos primeiros estudos focados em educação religiosa e sua relação com videogame foi realizado por Scholtz, que fez uma reflexão sobre o uso de jogos eletrônicos para contribuir com a formação de uma identidade religiosa.²⁶ A cultura gamer já está criando raízes na sociedade, apesar do pouco tempo de propagação, de tal forma que as narrativas de histórias também tem sido um objeto de estudo a fim de descortinar essa interação de jogos x religião.

Estudar jogos digitais e videogames não é um fim em si mesmo, mas uma forma de revelar o significado da religião na sociedade contemporânea como um todo.

O impacto dos games na cosmovisão cristã

Além de as relações humanas sofrerem modificações ao longo dos anos, sobretudo com o desenvolvimento tecnológico,²⁷ as práticas religiosas precisaram se adequar para lidar com a era da Educação a Distância (EAD). Nesse sentido, a hiperconectividade tem sido cada vez maior, dado também o aumento das redes sociais e usuários. Sendo assim, a adesão a jogos de videogame como principal forma de entretenimento e válvula de escape tem aumentado cada vez mais. 

As pessoas estão conectadas e estão deixando a vida em comunidade. Mesmo assim, a fé e a religiosidade não estão ausentes desses espaços; pelo contrário, é possível encontrar religião, espiritualidade e igreja nessas redes.²⁸ Embora o que é postado na internet e redes sociais não seja, necessariamente, o reflexo da vida que as pessoas realmente vivem, importa, sim, o uso que as pessoas fazem de seus conteúdos e de suas formas, assim como a função de religião vivida de forma concreta.²⁹ O uso da internet tem um profundo impacto sobre a formação da identidade religiosa dos fiéis,³⁰ e essa alteração de percepção do sagrado, bem como o modo como lidar com o mundo, é influenciada pela hiperconectividade. Sendo assim, a religião e a religiosidade, como tradicionalmente conhecemos, também mudam.³¹

Dessa forma, jogos online também desempenham um papel nas mudanças e influências sobre as  pessoas e suas cosmovisões. Como apontado por estudiosos do assunto, ao longo dos séculos os jogos têm sido valorizados como experiências sociais, pois são uma maneira de as pessoas se relacionarem entre si.³² Assim como a tecnologia, a cultura e produção de conteúdo realizadas pela humanidade não são amorais, mas podem ser tendenciosas dependendo de quem as está criando ou manipulando. Nesse sentido, quando confrontadas com a religião, as narrativas apresentadas nos videogames e nos jogos online são objeto de estudo e questionamento, uma vez que narrativas violentas integram narrativas religiosas e desafiam as normas e os códigos de conduta tradicionais.³³ Dentre os diversos jogos, podemos citar a franquia Assassin’s Creed (Ubisoft), na qual a religião e seus símbolos se tornam uma ferramenta narrativa importante para o enredo.

Os jogos também podem apresentar diversas narrativas contendo elementos religiosos de outras culturas misturados na narrativa da história. Estudos sobre o “islamogaming” têm questionado como as ambiências e narrativas dos videogames têm reforçado estereótipos religiosos e étnicos, ou têm sido usadas para apresentar representações identitárias alternativas.³⁴ Esse pode ser um exemplo de como não utilizar a religião ou de como as representações religiosas podem ser usadas na criação dos chamados “serious games”, transformando o videogame em uma importante arena para o discurso político e religioso.³⁵ Além disso, busca-se entender como a experiência de um jogador se torna tão imersiva, chegando até mesmo a tornar-se um vício em alguns casos. 

Em um estudo desenvolvido por Reyes e Adams, os autores sugeriram que a experiência e o prazer em videogames são influenciados, em parte, pela realidade social e vice-versa.³⁶ Eles também pontuam e descrevem três tipos de realismo presentes nessa relação: (1) realismo representacional, que se refere aos gráficos, sons e como o jogo representa o tempo e lugar; (2) realismo simulativo, que se correlaciona com as regras do jogo e com modelos da vida real; e (3) o realismo inverso, que se refere às relações e interações do mundo real nos jogos, como controles de movimento e conexões com atividades reais.³⁷ Portanto, essa experiência psicológica e sensorial que gera uma busca pelo objetivo final do jogo gratifica o jogador durante sua jornada. E como um dos parâmetros é a realidade social do jogador, podemos inferir que os jogadores com maiores condições de adquirir consoles e computadores gamers de maior qualidade estão mais propensos a desenvolver uma dependência sensorial dos jogos.

Jogos como Massively Multiplayer Online Rolling-Playing Games (MMORPGs), por exemplo, possuem uma grande complexidade narrativa, permitindo ao jogador estabelecer escolhas que podem alterar qualitativamente não só o seu percurso na trama, mas também o perfil psicológico de seu personagem na história,³⁸ e esse nível de controle pode gerar no jogador a falsa sensação de ser um deus dentro do mundo do jogo. Nesse sentido, os gráficos sempre estão em atualização, a fim de proporcionar as experiências mais realistas, pois, dessa forma, o jogador poderá ficar imerso na história e viver aquilo como se fosse realmente a sua própria vida e seu propósito. A princípio, os jogadores podem estar em modo single player ao jogarem uma história, no entanto, diversos tipos de jogos proporcionam interações por meio de comunidades e fóruns de discussões. 

Nesse contexto, De Wildt e Aupers realizaram um estudo sobre o tipo de relacionamento que os jogadores buscam e quais são os questionamentos que mais se propagam na rede.³⁹ Curiosamente, questionamentos sobre religião e cultura são muito comuns nos diversos fóruns mapeados, e alguns jogadores são a favor dessas discussões; em contrapartida, outros apresentam comportamentos hostis. Essas dúvidas sobre a cultura ou a teologia ocorrem porque, para muitos jogadores, a única interação ou contato com símbolos religiosos e ritualísticos é por intermédio do jogo. Dessa forma, a busca por entendimento nesses fóruns, geralmente por meio das salas de debate (Debating), gera diversas interpretações de uma cena ou de um item disponível no jogo, que se tornam a semente dos debates. Nesse contexto, jogadores sem uma fundamentação religiosa buscam entender por que bíblias estão dispostas como item em jogos como Zelda ou em jogos que apresentam uma teocracia violenta e opressora como o jogo BioShock: Infinite. Assim, esses jogos tem o potencial de levantar questionamentos que não seriam trazidos à tona pelos jogadores por causa da sua falta de experiência cultural, tecnológica e artística. 

Estudos têm apresentado evidências de que os jogadores realizam decisões morais em jogos como se tivessem verdadeiras interações interpessoais.⁴⁰ Dessa forma, dependendo da moral apresentada na trama do jogo, o desenvolvimento moral do jogador pode ser comprometido. Em muitas situações, essa ruptura moral que ocorre pelo descontrole e leva ao vício em videogames, bem como a falta de uma identidade do jogador, gera um vazio e alimenta a busca por propósito, que muitas vezes é prejudicada por comportamentos e condutas étnicas reprováveis. Ademais, essa condição muitas vezes se reflete na vida cristã e na prática espiritual. 

Estudos têm apresentado evidências de que os jogadores realizam decisões morais em jogos como se tivessem verdadeiras interações interpessoais. Dessa forma, dependendo da moral apresentada na trama do jogo, o desenvolvimento moral do jogador pode ser comprometido.

Isso ocorre porque não houve a manutenção e utilização da liberdade com parcimônia, uma responsabilidade que temos pelo simples fato de que fomos feitos à imagem e semelhança de Deus (algo de que não podemos nos esquecer). Isso traz implicações sobre como podemos e devemos usufruir de jogos e entretenimentos, para que não geremos falsos ídolos e subestimemos o poder que há na gamificação da sociedade.⁴¹ Dessa forma, podemos pensar no filósofo Herman Dooyeweerd (1894-1977), que tenta entender o universo como algo criado, governado e sustentado por Deus, que é absolutamente soberano.⁴² Ele refletiu sobre a rica diversidade de produção artística, social, musical e tecnológica criada pela humanidade, e sugeriu que tudo isso poderia ser avaliado e examinado em termos de um conjunto de quinze diferentes “modalidades” ou “aspectos”. Esses aspectos modais não são objetos em si mesmos, mas meios de entender como entidades diversas funcionam na criação.⁴³

Esses aspectos são denominados: (1) numérico, relacionado a quantidades discretas; (2) espacial, relacionado à geometria; (3) cinemático, relacionado ao movimento; (4) físico, relacionado à matéria e energia; (5) biótico, relacionado à vida orgânica; (6) psíquico, relacionado aos sentimentos ou às emoções; (7) analítico, relacionado à capacidade de realizar distinções; (8) histórico, relacionado a formar e desenvolver a cultura humana; (9) linguístico, relacionado a idiomas e ao uso de símbolos para retransmitir sentido; (10) social, relacionado às interações dos seres humanos; (11) econômico, relacionado ao gerenciamento de recursos; (12) estético, relacionado à harmonia e beleza; (13) jurídico, relacionado a dar o que é devido; retribuição e restituição; (14) moral ou ético, relacionado ao amor, ao cuidado e ao bem-estar; e (15) aspecto pístico, relacionado à certeza, fé e crença.⁴⁴ Do mesmo modo que podemos exercer escolhas com nossos recursos econômicos, os demais aspectos que são constitutivos no âmbito do desenvolvimento tecnológico e consumo de entretenimento digital também demandam particularmente nossa responsabilidade.⁴⁵ Os aspectos modais mais elevados envolvem normas, exigindo um sujeito humano para exercer liberdade e responsabilidade. Mesmo em um mundo caído ainda podemos exercer o princípio da mordomia com sabedoria a partir do momento que entendemos que os cristãos são livres para desfrutar da criação de Deus, ainda que alguns a cultuem.

O coração humano ainda fabrica bezerros de ouro, ou seja, a tecnologia e o entretenimento proporcionado por meio dela são ídolos de nosso tempo. Apenas o relacionamento com o Criador pode nos levar a essa compreensão e nos libertar da escravidão dos ídolos de nossos corações. Sobre isso, James Smith escreve: “Ser discípulo de Jesus não é primordialmente uma questão de doutrinas e crenças certas em sua cabeça. […] Antes, é uma questão de ser o tipo de pessoa que ama corretamente — que ama a Deus e ao próximo e é orientada ao mundo pela primazia desse amor”.⁴⁶

Conclusão e perspectivas

Este foi um pequeno recorte do universo dos estudos de jogos, no qual procuramos abordar desde o desenvolvimento das primeiras máquinas eletrônicas até os consoles e arcades que fazem sucesso nos dias de hoje. Nesse contexto, as narrativas apresentadas nos jogos, muitas vezes inspiradas em diversos símbolos culturais, influenciam na manifestação comportamental dos jogadores. O cristão sempre esteve presente na progressão e transformação da informação e da tecnologia, portanto, o objetivo deste ensaio foi apontar um direcionamento e pontuar mudanças de comportamento que estão intrinsecamente moldando a cosmovisão cristã, e, assim, incentivar a comunidade a se envolver com a área de jogos digitais e de entretenimento a fim de proporcionar graça.

A aversão às tecnologias e seus subprodutos não é o melhor posicionamento a se escolher, pois o progresso sempre ocorre. Dessa forma, entender o contexto dos jogos digitais para saber o que se encaixa na produção cultural e tecnológica, em vez de julgar, é primordial. A mudança de mentalidade quanto à manifestação da graça de Deus nessas áreas também é válida e preciosa, mas, para que isso ocorra, o cristão necessita tirar a trave de seus olhos para enxergar com os olhos de amor, e este sendo manifestado em forma de mandamento, o maior entre todos, como bem nos ensinou o apóstolo Paulo. Ao nos permitirmos amar ao próximo, podemos experimentar parte da perspectiva de Jesus e seu amor pela humanidade. Consequentemente, o respeito e o zelo pela produção cultural e tecnológica dos irmãos torna-se divinamente orientado, pois provém do próprio Deus que nos inspira. 

Ao nos permitirmos amar ao próximo, podemos experimentar parte da perspectiva de Jesus e seu amor pela humanidade. Consequentemente, o respeito e o zelo pela produção cultural e tecnológica dos irmãos torna-se divinamente orientado, pois provém do próprio Deus que nos inspira.

Sendo assim, devemos ter cuidado para não moldar essa produção com base em nossas próprias forças e nos sentenciarmos ao fracasso, uma vez que toda intenção sempre dependerá da condição de nosso próprio coração. Portanto, se quisermos que nossas criações sejam verdadeiras, belas e boas, precisamos cuidar de nossos corações (vide Jeremias 17:9-10). 

A tarefa de estudo e pesquisa nessas áreas é fundamental. Por esse motivo, devemos procurar entender cada vez mais a relação cultural produzida pela humanidade com o sagrado, bem como a relação entre jogos digitais e religião, com o objetivo de proporcionar avanço científico e critérios para que novos recursos e novas tecnologias ajudem as pessoas em seu processo de externalização religioso-cultural. Fazendo isso, estaremos contribuindo para um entendimento desse relacionamento do cristão nessas searas e proporcionando a manifestação da graça de Deus e o entendimento do lugar em que estamos inseridos nesse mundo tão plural. 

Dessa forma, poderemos verdadeiramente usufruir de liberdade e responsabilidade, e também proporcionar maior qualidade e graça para os irmãos na fé e para a comunidade, o que nos permitirá reconhecer  a graça comum sem negligenciar o mundo que Deus criou. 

 

 

Os conteúdos das publicações da revista digital Unus Mundus são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem, necessariamente, a visão da Academia ABC².

Referências

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* Ensaio com menção honrosa na 1ª Chamada do Radar ABC².

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40. BYINGTON, C. A. B. Uma teoria simbólica da história: O mito cristão como principal símbolo estruturante do padrão de alteridade na cultura ocidental. Junguiana, 37, n. 1, 2019, p. 21-72.

41. NAVARRO, G. Gamificação: a transformação do conceito do termo jogo no contexto da pós-modernidade. f. Trabalho de Conclusão de Curso (lacto-sensu em Mídia, Informação e Cultura) – Universidade de São Paulo USP – São Paulo, 2013, p. 1-26.

42. SCHUURMAN, 2013.

43. Ibidem.

44. CHAPLIN, J. Herman Dooyeweerd: Christian philosopher of state and civil society. EUA: University of Notre Dame Press, 2016.

45. Ibidem.

46. SMITH, J. K. Desiring the kingdom (cultural liturgies): Worship, worldview, and cultural formation. In: Baker Academic, 2009.

Outros ENSAIOS [nº 2]

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