Conversas metodológicas com David I. Smith
John Amos Comenius, Johann Pestalozzi, Johann Herbart e John Dewey são alguns dos grandes nomes da pedagogia, que, apesar de a afirmarem enquanto campo de saberes sistemáticos sobre o ensino, também a consideravam uma arte, isto é, a arte de ensinar. Apesar do amplo reconhecimento de que seres humanos possuem algum tipo de abertura “natural” à aprendizagem, nem sempre fica claro o quanto essa aprendizagem é relacional e socialmente dependente: Seres humanos são “animais sociais” (Aristóteles) ou “animais dependentes” (MacIntyre).
O psicólogo da aprendizagem Lev Vygotsky¹ ficou conhecido por explorar a importante relação entre o convívio entre sujeitos (aprendizagem interpsicológica) e o desenvolvimento cognitivo (aprendizagem intrapsicológica). De fato, há pesquisas neurocientíficas que apontam para certa disposição inata em crianças para uma aprendizagem socialmente orientada.² Em uma sociedade em que a aprendizagem se torna uma atividade cada vez mais individualista e atomizada, recuperar a pedagogia como arte baseada em vida comunitária é um alento.
Mas por que arte? Apesar de a pedagogia ser um campo munido de saberes científicos procedentes da psicologia, sociologia, neurociência, antropologia e tecnologia da informação, seu objeto epistemológico (o ensino) lida com o humano, um fenômeno de alta complexidade. Por isso o termo arte descreve melhor a pedagogia enquanto uma prática que exige intencionalidade, adaptabilidade, certa intuição, ritos, liturgia, práticas, estética, ética, consideração à subjetividade, o ambiente, a cultura do aprendiz e, por fim, sua espiritualidade.
Sendo a pedagogia também arte, um experimento é inevitável: como seria essa arte sob uma imaginário social específico; nesse caso, de que maneira a imaginação cristã afetaria a prática do ensino propriamente dito?
Esse simpósio de resenhas sobre o livro Pedagogia cristã, do professor de educação Dr. David I., Smith traz uma contribuição singular às reflexões e aos debates sobre uma pedagogia cristã enquanto arte. Há muito tempo percebe-se um grande gap metodológico. Nesse sentido, as reflexões sobre a natureza ou os contornos de uma pedagogia cristã são fundamentais, no entanto, este simpósio intenciona colaborar e estimular mais produções, experiências, pesquisas e práticas voltadas ao desenho (sempre dinâmico) de métodos e abordagens cristãs na arte de ensinar.
Por isso o termo arte descreve melhor a pedagogia enquanto uma prática que exige intencionalidade, adaptabilidade, certa intuição, ritos, liturgia, práticas, estética, ética, consideração à subjetividade, o ambiente, a cultura do aprendiz e, por fim, sua espiritualidade.
Os resenhistas trouxeram preciosas e provocativas contribuições em suas leituras críticas do livro do professor de línguas modernas da Calvin University, e isso deixou evidente que ele não busca oferecer uma abordagem metodológica reduzida a procedimentos fechados; em vez disso, ele propõe reflexões e provocações que emergem de sua prática e filosofia de ensino.
Como os resenhistas perceberam, o livro começa com uma provocação sobre a grande lacuna metodológica quando se fala de um ensino cristão, que se ocupa demasiadamente com o conteúdo, mas se perde na forma. Pedagogos e professores cristãos concentram-se no quê, mas se perdem no como. O convite é claro: há maneiras cristãs de ensinar, porque somos herdeiros de uma pedagogia cristã, e não apenas de um conteúdo cristão.
Contudo, como insistem os resenhistas, o que torna a obra de Smith indispensável a professores, pedagogos, estudantes de pedagogia, gestores escolares e pais educadores é a proposta de uma abordagem metodológica denominada de What if Learning (E se aprender…). Digamos que este é o núcleo metodológico da arte de ensinar disposta no livro resenhado, o cerne da pedagogia do autor.
A conjunção condicional “e se” (what if) pode ser usada como partícula apassivadora, isto é, ela faz com que a voz ativa se torne voz passiva. Essa mudança de posição convida o professor a se colocar no lugar do aprendiz, e essa descentração provoca uma enxurrada de reflexões sobre a prática de ensinar. No entanto, tais reflexões podem ser mais bem orientadas quando cooperam com três estratégias de ensino:
As reflexões derivadas da descentração ou do movimento de alteridade do professor faz com que ele perceba que sua atuação não pode ser reduzida a mero ensino de uma competência, mas que há um elemento de transcendência, uma espiritualidade. Nesse sentido, sempre há como conectar fé, esperança e amor ao que acontece em sala de aula, à relação professor-aluno e aluno-aluno. De fato, “Ser um professor verdadeiramente cristão não é fácil, pois exige o desenvolvimento de uma imaginação cristã robusta e discernimento para atuar com criatividade”;³ em outras palavras, “ver de maneira nova” é reimaginar constantemente o ensino, o ambiente de aprendizagem e a relação ensino-aprendizagem a partir da fé cristã.
Uma vez que o professor se torna consciente e animado pelo constante redesenho do ambiente formativo, ele agora se ocupa de estratégias para que seus alunos assumam uma postura mais ativa na aprendizagem. Aqui, o professor deve introduzir na aula a dramatização, perguntas, atividades, dinâmicas e produções que levem o aluno a ter uma relação mais interativa e deliberada sobre o objeto de aprendizagem, mas sempre o transcendendo. Nesse caso, a hospitalidade cristã é aplicada ao se “levar em consideração a comunidade de aprendizagem com aulas expositivas dialogadas, criação de grupos de trabalho, debates, seminários e discussões direcionadas”.⁴
Nesse sentido, sempre há como conectar fé, esperança e amor ao que acontece em sala de aula, à relação professor-aluno e aluno-aluno.
Por fim, a última estratégia exige uma constante remodelagem da prática do professor, que, conforme o conteúdo do site da abordagem em questão, implica uma mudança de foco na prática do professor e exige mudanças constantes nos hábitos e nas práticas de ensino, bem como ajustes nas ênfases e na seleção de diferentes recursos de ensino. Isso demanda mudança do espaço físico, ajustes na atmosfera de ensino, melhor planejamento da aula, criação de conexões entre diferentes temas ou conceitos e, por fim, o mais importante, a transformação da aprendizagem em algo pessoal.
Esse elemento de encontro pessoal no ensino talvez seja o elemento cristão mais evidente na abordagem sugerida, tendo em vista que uma filosofia do ensino cristão deve recuperar a pessoalidade e a relação como uma expressão da própria divindade. A natureza trinitária de Deus é fundamentalmente pessoal e relacional, o que fica evidente no fato de que Deus se tornou conhecido em Jesus por meio de sua encarnação, sua presença pessoal na história. Esse seria o paradigma teológico para uma abordagem pedagógica que se faz presente, que caminha e que se faz no encontro face-a-face com o aluno.
Finalmente, os resenhistas são unânimes em dizer que o livro não se propõe a oferecer um método cristão de ensino. O que se encontra nele é uma reflexão metodológica cristã que emerge do ensino de um professor particular em um ambiente cultural específico. Não há dúvida de que seria ingênuo o mero transplante das práticas do Dr. Smith ao contexto brasileiro, no entanto, as estratégias propostas pelo autor podem produzir novas reflexões que orientem novas práticas que sejam compatíveis com nossa “casa pedagógica”. E sem dúvida “e surgimento de um movimento intelectual cristão no Brasil pode contribuir fortemente para o amadurecimento dessas questões na medida em que se apropria do conhecimento pedagógico e o discute à luz da teologia”.⁵
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1. Lev S. Vygotsky, A formação social da mente o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores, 2008.
2. Matthew D. Lieberman, Social: why our brains are wired to connect, 2013.
3. Raphael Alexis Haeuser, E se a fé cristã tivesse algo a ver com a pedagogia?, 2023.
4. Natan Fantin. Uma proposta de reflexão cristã sobre a prática docente, 2023.
5. Jonatas Mariz Oliveira, A indissociável relação entre fé e prática Pedagógica, 2023.
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